sexta-feira, 19 de outubro de 2012

129 - l'indimenticabile Andreas Bertini ..........................



Foi a fotografia dele num sépia desbotado a chamar-me a atenção.

Há quantos séculos o não lembrava ? Vinte ? Trinta ? Quarenta anos ? Peguei nas folhas daquele inesperado requerimento, também elas amarelecidas pelo tempo, e detive-me exaustivamente analisando-as. Tinha-me levado ali uma tese que já me está dando mais trabalho do que vale, e nada na minha investigação apontava para o que agora me prendia a atenção, regurgitava em mim memórias esquecidas mas, sobretudo, me aplacava uma curiosidade velha de décadas.

Eu olhava o pavilhão por dentro, nem me lembrava de alguma vez o ter visto do exterior. Hoje bem sei qual a razão pela qual ao recorda-lo o associo ao “ Pavilhão dos Cancerosos “ de Aleksandr Solzhenitsyn. Nenhum de nós ali era canceroso, mas a amálgama ia desde o sarampo às bexigas, preenchendo todo o rol da lista que aquela unidade de doenças infecto-contagiosas albergava.

Visitas não eram permitidas, o que se compreende. Que eu, com sarampo, pudesse apanhar varíola, não seria o mesmo que alguém de fora levar contaminação involuntária. Com nove ou dez anos, eu, pouco mais recordo que o canto aberto de uma rede na janela, que não evitava o contágio mas permitia a passagem das oferendas aos doentes trazidas pelos visitantes. Eu era doido por pacotes de bolachas.

Li e reli os documentos na minha mão. Coisa simples que explicava muito mistério. Um requerimento solicitando reconhecimento e deferimento (acreditação) do Termo de Responsabilidade anexo e seus apêndices, a saber, um diploma em língua italiana atestando a posse de determinados conhecimentos ao signatário, signor Andreas Livorno Bertini, emitido pelo Ufficio Scolastico Provinciale di Milano, (Istituto per le Opere di Religione), città di Milano, corria o ano de 1963.

Sorri. De documentos na mão, sorri.

Mas não sorri sem que desse primeiro uma olhadela a toda a volta, como que para me assegurar que o signor ingegnere Livorno Bertini não me apanharia sorrindo, pois era apanágio dele surgir por detrás de quem fosse, sem ser apercebido até que estivesse a um passo.

Jovem, adolescente, pensei de início que o fazia por maldade ou matreirice. Não. Fazia-o por ser seu modo, como o era envergar permanentemente um sorriso que só os tolos ou os mouquinhos costumam arvorar. Não, ele não o era, embora ficasse a remoer o que lhe diziam, demorando por vezes tanto as respostas, que cheguei a pensar que não ouvira as perguntas, não traduzira facilmente a nossa língua, ou era tolo. Não era defeito, era feitio. O estratagema permitia-lhe ganhar mais tempo para responder, não responder mesmo, fingindo não ter decifrado ou ouvido sequer a questão colocada mas, particularmente, fazer com que à sua chegada, não calassem as conversas, ou que durante as mesmas lhe fossem atiradas piadas que simulava não entender, mas certamente entendia, lance que lhe permitia “enrolar” com facilidade e apesar da sua cara de tolinho o interlocutor menos prevenido.

Curei o sarampo no pavilhão, não descansei, não me recordo de o ter conseguido. Recordo sim as luzes ligadas toda a noite, e todo o dia, os gemidos dos acamados nas dezenas de camas, o cheiro a febre e a fénico. Nem das injecções me recordo. Mas não olvido as deusas de branco, sorridentes, meigas, carinhosas, simpáticas e, que me lembre, foi a primeira vez que gostei de alguém a sério.

Também por essa ocasião seria pela primeira vez na vida enganado.

É curioso como recordamos sempre as nossas primeiras vezes de qualquer coisa, mesmo que, passados anos, essa coisa, essa recordação, tenha tanto valor como o lembrar-me do que almocei sexta-feira da passada semana. O Monginho frequentava a minha escola numa outra classe. Éramos colegas de recreio. Não sei já com que ardil surripiou-me vinte e cinco tostões que me deixara a tia Joaquina na visita da tarde, para que comprasse, se conseguisse, meia dúzia de pacotes de bolachas quando se acabassem os que me trouxera. Nunca mais esqueci essa trapaça. Nem o Monginho, que há trinta ou mais anos não vejo.

As primeiras vezes marcam.

Entre os documentos, um deferimento de vereador do pelouro na altura. Confirmava-se em termos legais a capacidade técnica do senhor Andreas Livorno Bertini para assumir responsabilidades no ramo da electricidade e electromecânica, em obras até ao valor deliberado em reunião de câmara, de cinquenta mil escudos. Não imagino quanto essa importância significaria agora. Lembro é que o engenheiro Bertini estava em todas as obras, das maiores às mais pequenas, trabalhava incansavelmente, e era considerado e respeitado na urbe. Cedo deve ter abandonado a sua zona de conforto para se instalar entre nós, aproveitando as oportunidades que este país de sol, como o dele, tinha para lhe oferecer. Foi dos primeiros e quase únicos conterrâneos a ter um automóvel Mercedes, o que na época não era, como hoje, coisa que qualquer gato-pingado tivesse. Curiosamente não me recordo de o ter ouvido designar-se a si mesmo de engenheiro.

Agrafado ao processo nas minhas mãos um seu cartão de visita apelava ao favor de uma resolução rápida, e nada de engenheiro, nada de diplomado nisto ou naquilo, diplomado sim, diplomado pela Scuola Professionale di Ingegneria, Elettrica e Electromecânica di Milano, Ufficio Scolastico Provinciale di Milano.  Hoje, olhando os documentos na minha mão, duvido que a razão não estivesse do lado dele. Chamavam-lhe senhor engenheiro, atribuíram-lhe capacidades idênticas, nunca solicitou que como tal o creditassem, embora respondesse ao chamamento.

Aqui chamam engenheiro a qualquer um deve ter pensado…

E, contemplando os papéis, mais me convenço que o nosso engenheiro Bertini, de quem muitos dos profissionais mais velhos na área se lembrarão e terão sido aprendizes, foi, entre nós, o primeiro caso, a primeira vez que um aluno de um curso das Novas Oportunidades apresentou sucesso.

Em terra de cegos quem tem olho é rei.

O nível de aprendizagem, a natureza das matérias e a origem da entidade formadora não me deixaram dúvidas.

Frente a elas um vereador desta cidade, há quarenta ou mais anos, assinou de cruz.

Terá sido a primeira vez ?

Sarampo ?


Nunca mais tive…  




terça-feira, 2 de outubro de 2012

128 - E FIZ ANOS OUTRA VEZ......



Naturalmente há muito que deixei de acreditar no Pai Natal, o que não significa que esse dia não seja para mim, tal como o dia do meu aniversário, um dos dias que sempre me marcaram, facto de que sou culpado, já que deposito neles um potencial de esperanças que me esforço por não ver frustradas.

É por isso que apesar da minha tenra idade, nem desvendo os segredos do sapatinho senão pela manhã, nem sou capaz de evitar quer ansiedade quer inquietação com o aproximar, e durante o dia do meu aniversário.

Este ano tal dia foi-me deveras grato, de tal modo que, como um gaiato, fui mesmo apanhado pela “Genoveva”, uma querida amiga de de Paços de Brandão, (a quem devo um pedido de desculpas), apanhado dizia eu, num estilo desajeitado, disfarçando uma lágrima de emoção que me estava toldando a razão, e que atrapalhado justifiquei como um problemas de lentes de contacto, que aliás nunca usei.

Não sei porquê este ano esta "inquietação, mas sei que é linda", como sei que Deus perdoa de vez em quando uma loucura, mormente no momento em que me permito passar em memória e a correr, esta vida com tendência para voar, que um ego expansivo anima, e que até Ele por vezes dificilmente segura.

"Desconfio ter sido por milagre que nasci profano", já que nunca encontrei quem me amansasse esta vontade de me dar, fazer amigos, e partilhar com eles momentos felizes e dias solenes. Sábado passado cumpriu-se uma vez mais a norma.

Este ano não foi excepção, escrevo porque o coração agradece e o corpo ainda me estremece, pois como bem sabeis sou um homem que acredita em coisas tais como amizades e Natais, e porque a vós, amigas e amigos, devo mais um dia que se não esquece.

Estranhar-me-ão porventura, pertenço contudo, como todos, ao número dos mortais, como vós erro de quando em vez, e serei mal compreendido de vez em quando. Tudo porque no fragor da luta pela vida me assalta a excitação do dever a cumprir, ou cumprido, e arraste comigo algum individualismo que julgo hereditário, do qual não consigo livrar-me.

Talvez seja um "ET" de outras cruzadas e noitadas, não fujo porém ao rol dos que também padecem de esperanças e festas adiadas. 

Como muitas (os) de vós encolho-me nos limites que me traçam, percorro os caminhos que me trilham, sentindo-me em tantas ocasiões prisioneiro nesse espaço, vogando nessa via láctea consentida, perdido por vezes na imensidão desmedida da redutora janela por onde me permitem espreitar, mas igualmente sempre predisposto a pisar o risco à primeira oportunidade surgida.

Por isso quaisquer pequena festa ou grande comemoração são para mim deveras significativas, e o sábado passado foi um desses dias felizes, atrevo-me mesmo a dizer-vos que o vivi deslumbrado, tendo visto a sala festivamente iluminada, somente faltando para a animar as pantominas, danças folionas e balões, pois como é conhecido vivo noutra galáxia e o que espero da vida é saber, razão porque a todos agradeço a obra que me ofereceram, e ao José Gomes Ferreira a acutilância na escolha do título.

Fosse eu bailarino e teria rodopiado como carrossel expelindo cores a granel, cores que tivessem pintado para vós um painel de ternura e sentimento. Daqui vos mando hoje, já lúcido, um abraço, ou um beijo, com o sabor de arraiais e festas fatais, saudosas, estrepitosas, daquelas que nos permitirão fugir às grandes trevas da noite. 

Virei um dia buscar-vos para uma outra festa, guiar-vos por uma aresta entre o sagrado e o profano. Fugiremos do fim do mundo, até uma praça iluminada por domingos e lampiões, escutando concertinas, cheirando manjericos e sardinhas.

Encheremos os copos de vício, pecadores e imaculados, inocentes e culpados, numa oferta aos céus, em noites de bem aventuranças, de esperança, em que possa dar-vos conta da gratidão que guardo no peito.

E quando a alma vos estremecer de espanto, a Bárbara e o Carrilho segredarão recados de amor, a Catarina e o  Goucha acreditarão que sou exímio na arte das tartes e dos molotov´s, o João Baião e a Cristina, loucos e ébrios, viverão paixões e dramas, corpos excitados jurarão e dissiparão amores, para não falar nos tímidos que a boémia tornará sedutores.

Haverá almas que amansarão com beijos, outras que exaltarão em cambalhotas e, até as mais introvertidas segredarão em ouvidos castos "obscenas maravilhas".

E no meio de murmúrios e delírios sensuais o esperanto não fará falta alguma, todas (os) esquecerão tormentos passados e lágrimas choradas.

A quem me chamar ímpio perguntarei quantos de nós não temos sonhos frustrados e pecados sem conta, à Alexandra Afonso agradeço aquela dedicatória fotográfica que me fez estremecer a alma, e antes que alguém que muito prezo me chame desbocado vou dar fim a este exercício de imaginação criativa.

O meu obrigado a todas (os), quantas (os) se lembraram deste dia e o expressaram de uma ou de outra forma, contem comigo para o ano.

kkkkkkkkkkkkkk !!!!!!!!!!!!!!!! bjssssssssssssssssssssss !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

(Genoveva, espero que voltes pa sempre amiga !! bjsssssssssssssss !!! )