quinta-feira, 30 de junho de 2016

356 - FIAT LUX * !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ......................


Eu sabia haver ali qualquer coisa que me escapava, qualquer coisa que eu não via, não entendia, mas sentia, quer dizer pressentia. Para mim tudo aquilo era bom demais para ser verdade, quer dizer, ser verdade era, o que eu lhe encontrava era uma certa falta de razoabilidade, quero dizer não tinha a certeza do que via, alguma coisa haveria que não estaria a ver.

Finalmente fez-se luz, quero dizer a Tv parecia Deus mal a abri, “Fiat Lux” foi o que me ocorreu ao ver e ouvir o que vi e ouvi, e li, para ser mais exacto, pois se abordo uma questão irrazoável que dei por certa, há que ter cuidado com as contradições, embora todos saibamos que o que há de mais puro e verosímil nesta vida seja “o principio da incerteza”, que tudo abarca, em tudo está presente, mesmo se a gente o não pressente.

Na minha rua, e nas três que circundam e delimitam o quarteirão onde vivo, que não é um quadrado nem um rectângulo, onde uma das ruas, em semicírculo, curva, curvilínea, circular, lhe arredonda um dos lados, vivem igualmente três outros singulares vizinhos digamos. Singulares quer pelo alarido levantado à mesa do café onde amesendam, quer pelo ar exuberante e apostático com que cada um deles vive a life. O mais gordo, qual arcanjo da beleza alheia, mostra e passeia a madame, que faz questão de trocar todos os doze a dezoito meses, desta vez uma loura espampanante e mamalhuda de tatuagem na coxa que a celulite e a gordura deformaram, acerca de quem o meu amigo Queiroga cada vez que a vê, a loira, não a coxa, larga o seguinte desabafo;

- Mas que grande pedaço de mulher !

Como se a loura, ou as louras, ou as mulheres fossem para comer às postas, mas perdoo-lhe e percebo-o melhor desde que nos temos encontrado no talho do Hiper ou na peixaria do dito, onde ele, desde as postas de salmão aos lombos de pescada e bacalhau, até o lombo de porco, tudo compra às postas, da pescada à corvina e ao robalo. Imagino o que terá passado a D. Ester, que era magrinha e de onde era impossível tirar uma lasca, quanto mais uma posta, imagino o que terá penado antes de o Senhor a ter chamado a Si depois de prolongada anemia.

Mas se um passeia a loura com a regularidade com que a vizinha da frente passeia o caniche, outro deles passeia a “bomba”, como lhes chama sempre, a cada um deles e a todos. Desta feita um daqueles Mercedes baratuchos equipado com um motorzeco Renault. Mas atenção, tal e qual ele mesmo diz, ou grita;

- O que interessa é a estrela pá ! O que conta é a estrelinha ! O que tu tens é invejinha !  

E realmente assim é, e é vê-lo a cada dezoito ou vinte e quatro meses com uma “bomba” diferente, mas sempre nova, com estrelinha ou sem estrelinha mas sempre de fazer invejinha. Não lhe conheço mulher mas imagino que a trataria de longe muito melhor que o outro trata a loiraça, basta ver os cuidados que tem com as bombas.

O terceiro tem mulher mas não lhe liga, na prática quase fazem vida de separados, não sei se dormem em quartos separados ou não, isso é coisa que se quiser saber o melhor é uma conversa bem levada e privada com o Menezes da retrosaria “Mina Das Especiarias” e que sob um falso ar efeminado, sabe mais das questões profundas de muitas fêmeas que os próprios maridos. Mas enfim, botões de madrepérola, elásticos para as cuecas, nastros e linhas de alinhavar são com ele. Quem está na berlinda agora é este, o Major Faria, aliás esquecera-me de referir que os personagens anteriores também são graduados, um Tenente Coronel e outro Capitão Tenente, e que todos eles deixaram há muito anos a messe de sargentos tendo frequentado nas últimas décadas, com pingalim ou sem pingalim mas sempre com garbo a messe de oficiais, aqui na terra funcionando num antigo convento, o convento de Nossa Senhora da Graça, pertencente à antiga ordem de S. Agostinho, restaurado, onde as madames podem mostrar os decotes e os vestidos e onde, talvez em bailaricos as filhotas debutem. A nós é que tudo acaba debitado claro, como sempre e dentro da tradição.

Mas a pancada do Major Faria, ainda assim o mais novo e mais magro deles todos, são as motas e os passeios nas ditas, coisa que a D. Estrelinha não deve apreciar já que nunca a vi em cima de uma, mas que o Menezes certamente inveja pois por mais que uma vez no café o topei;

- Então senhor Major onde vai ser desta vez o passeiozinho ?

E seja o passeio onde seja, demore os dias que demorar, o Menezes acaba por afivelar sempre o mesmo sorrisinho maroto, como se lhe fosse na alma uma satisfação interior e uma plenitude de glória e paz capaz de fazer inveja a muitos mortais. Como a malta sabe, dos cortinados e entrefolhos da D. Estrelinha tratará ele, e das saias, das camilhas claro.

Quando os três eram mais novos Setembro era o mês das conversas estafadas e dos relatos das férias e das aventuras nas residências de praia para os oficiais. Agora velhos e aposentados, um passeia a mulheraça, outro exibe as bombas e o Major Faria troca de mota todos os anos entretendo-se no intervalo a polir-lhes os cromados. Nunca ninguém os viu fazer nada na vida nem da vida, a nenhum deles, foi preciso o Correio da Manhã vir à baila esta quinta feira com noticia esclarecedora;

 “Militares Perdem Crédito Da Defesa” que é como quem diz acabou-se o crédito para os militares com base nos dinheiros do Orçamento de Estado, para ser franco nem sabia que os militares tinham um CrédiBom !

Bendito país, nem Salazar criara tanta excepção, tanta isenção, tanto beneficio, tanto privilégio, tanta diferença, tanta divisão... E que a malta saiba os paladinos do 25A nunca se queixaram do favorecimento. Este país não merecia um, merecia três novos Salazares ! Três ! Os portugueses têm o que merecem, nem todos claro, pois paga o justo pelo pecador, ainda assim é graças ao 25A, que podemos falar e escrever o que queremos e onde queremos. E serve-nos de muito... Falar e escrever sem que ninguém nos ligue, é o custo da "libardade" que nos impingem !

O problema está no privilégio que a coisa exemplifica, nos favores de classe concedidos, nos perdões abafados, nos favores feitos e pagos... Com dinheiro do orçamento, portanto com dinheiro nosso. Porque não vão os militares ao banco como toda a gente ? E já agora que estamos com a mão na massa e falando de cozinha porque têm messes e criados à disposição ? Porque têm residências e residenciais de férias melhores que certos hotéis ? Porque não temos nós disso, nós povo, se até pagamos a conta ? Não estou a ver o Ministério a actuar contra o senhor Major ou o senhor Tenente Coronel ou o senhor General em caso de incumprimento, só Deus sabe quantos casos desses aconteceram e quantos foram abafados... Não estou a ver o Ministério a executar-lhes hipotecas, a metê-los na rua e a ficar-lhes com as casas para vender ao desbarato, como tem sido feito à populaça e semeando milhares de dramas pelo país fora... Ser militar não pode isentar de pensar com a cabeça, nem desobrigar de estar do lado da razão, na situação do país os militares têm privilégios de que se deveriam envergonhar, mas afinal o mau não era Salazar ?

As coisas que nós desconhecemos ! Afinal meio país tem "rabos-de-palha"… Este país é um portento para quem saiba viver sem nada fazer, finalmente fez-se luz, sou eu, quero dizer somos nós todos quem paga as mulheres do Tenente Coronel, as bombas do Capitão Tenente, e as motas do Major Faria. Tudo mui lenta e justamente conquistado à custa de paciência, tempo, diuturnidades e promoções. Nada interessa que quem os ouça falar trema com os palavrões, as asneiras, as incorrecções, as demonstrações da mais elementar ignorância, de falta de conhecimento, de cultura, de saber, de entendimento e de bom senso. Ainda bem que não estamos em guerra.

Vou mas é ver se apanho uma posta, dou uma dentadinha ou uma voltinha, afinal tudo aquilo é meu. Tenho que dar uma palmada amigável nas costas do Menezes e elogiá-lo. Merece. 










quarta-feira, 29 de junho de 2016

355 - DEFINITIVAMENTE q.b. igreja de S. Vicente...

 "Temeraire" um dos mais lindos quadros do pintor  inglês William Turner

Estou habituado ao ar festivaleiro com que por vezes sou recebido, agrada-me a empatia que muitos dos meus amigos me prodigalizam e procuro retribuir-lhes na mesma moeda, mas ontem, mais precisamente segunda-feira, ainda estaria a cem metros da Igreja de S. Vicente quando, repentinamente, campainhas tinindo e luzinhas piscando, de tal modo que, não fossem dez da manhã e pensaria ter entrado pelo S. João dentro.

Lesto enfiei a mota no estacionamento e desliguei a chave com brusquidão calando a charanga. Nunca tal me acontecera, e afinal tanto banzé nem festejava a minha chegada ao vicentino santuário, para visita a mais uma iniciativa levada a cabo pelos Ciclos de S. Vicente, e que até depois de amanhã, portanto 30, estará patente em exposição no dito templo. A charanga, chamando a atenção de todos sobre mim, afinal tinha que ver com a gasolina que entrara na reserva, coisa que apesar de ter a mota há dois para três anos nunca me acontecera. Raio de modernismos.

Os CS~V, Ciclos de S. Vicente são uma meritória iniciativa da Colecção B, Associação Cultural, que de uma forma inteligente e expedita procura ocupar positivamente um espaço nobre no centro do burgo e, em simultâneo, presentear-nos com mostras culturais que animem a urbe com um tipo de oferta em que ela é manifestamente carente. Não é fácil. A exposição desta vez apresentava-se como “Definitivamente q.b.” embora eu tenha ao chegar a casa aberto no pc uma pasta com um ficheiro a que dei o nome de “até sempre”. Mas vamos com calma e não dêmos o corpo pela alma, pois é a alma que a exposição ali instalada, ou a instalação ali exposta, nos quer acicatar. 

Tenho pena de vos não trazer aqui fotos, pela segunda vez no momento crucial a bateria nem um flash vomitou, pelo que me fiquei p’la contemplação dos folheto explicativos da Beatriz Agria e da Inês Gomes e, lendo os folhetos e avançando pela igreja adentro, andando isto tudo ligado cada palavra delas despoletava uma conexão entre os meus neurónios, já avivados pela charanga da indicação de reserva do combustível e portanto excitadíssimos, pulando contentes na penumbra fresca e sacra pelo que abandonei o pensamento, afim de que as ideias fluíssem entre mim e um outro ser que também eu, um de nós encafuado na sua capsula do tempo o outro tentando sair da casca, interligando-se ambos, entrecruzando-se num sistema de vasos comunicantes em que o percebido e o sabido finalmente se equilibraram devendo ter sido aqui que confidenciei ao Marco;

- Já valeu a pena Marco, só pelos folhetos já valeu a pena, “… a conexão de todo o conhecimento adquirido… “ então não é Marco que só ontem ao ler o Expresso soube, soube eu e devem tê-lo sabido uns milhares de pessoas, que aqueles céus vermelhos tão característicos nas pinturas de Turner não se devem à sua suposta vontade de impressionar, mas ao facto de na época não sabermos o que se passava na rua ao lado, quanto mais do outro lado do mundo. Conectar é somar, é saber tudo. 

O simpático Marco Miguel é o guardião da igreja, o seu anjo da guarda, ou cão de fila, cada um que o julgue que eu nada lhe devo nem sou seu confessor, a mim tem-me demonstrado bastas vezes a sua gentileza e empatia ainda que nunca me tenha pago um gelado ou sequer uma bica na Zoka, ali mesmo à frente, mas enfim, feitios.
Meia porta da igreja de S. Vicente comida pelo sol.

Mas voltando a S. Vicente, bem sei que aquilo não é o Guggenheim, a Tate Modern ou o Grand Palais, onde há pouco o nosso Amadeo de Sousa-Cardoso marcou presença, nem eu sou o prof. Jorge Calado, mas mantenho-me au pair como dizem os franciús, até deambulo por lá nas minhas visitinhas online que nem sempre são à borliú.

Parece que o nosso Amadeo Sousa-Cardoso será finalmente promovido a Amadeo, como Matisse o foi a Matisse, Picasso a Picasso, Cézanne a Cézanne e Vincent a van Gogh, Monet, Gauguin, para citar aqueles que toda a gente conhece, Amadeo sim, Amadeo simplesmente, como Bosch, Bosch, Black e Decker Black + Decker, Junkers Junkers, Mazda Mazda, que nestas coisas o nome conta, conta contra tudo e de modo singular contra os preconceitos.

Mas ia eu meditando nos folhetos da Inês e da Beatriz e pensando que valeu a pena lê-los. Dizia eu para o Marco que isto anda tudo ligado e não vale a pena a Inês condenar-me ou forçar-me à participação como o folheto observava, pois há coisas em que acreditamos mas pelas quais jamais seremos capazes de mexer um dedo, um pé, ou dar um passo. Como raio vou eu habitante pobre de uma pobre cidade provinciana fazer frente à frota baleeira japonesa operando na Antárctida e chacinando baleias ? Ou como raio posso lutar contra os machos dinamarqueses que num festival anual de excessos e sangue se fazem homens desfazendo golfinhos ? Ou como iria eu enfrentar as petrolíferas que ameaçam os mares do norte cujas plataformas, mais de seiscentas, irão ser desmontadas, mas apenas quatrocentas e setenta delas nos próximos trinta anos ?

Mais de 600 ! Quer dizer, nem me atrevo a imaginar ou a ligar a menor importância às três ou quatro que querem erguer no Allgarve, quem me dera petróleo mais barato que já não ganho para a gasolina. Confesso estar fartinho de assinar petições online pelas baleias, pelos golfinhos, pelas girafas, pelo Mar do Norte, contra a destruição do ambiente, contra a Monsanto, contra o Japão, contra a Dinamarca, a Noruega a Finlândia a Suécia a Rússia a China a Austrália, pelo Tibete, pelo Butão, pelos linces, pelas abelhas, pelos magriços, pelo Zico, pelo Palito, e contra o Palito, contra o Vale e Azevedo o Joe Berardo o Salgado, o Jardim Gonçalves e o outro Jardim, o da Madeira, o Catroga e o Mexia, o Vara, o Guterres, o Barroso, o boca de favas, o piquinino, e nada se mexe, o mundo está condenado a ser consumido, condenado à avidez, à destruição, e ainda o Marco Miguel se preocupa com o património e as portas da igreja, mas é precisamente por isso mesmo que gosto dele estão vendo ?

Os folhetos da exposição estão bons, gostei de os ler, provocam, lembram, relembram, despoletam, criam, motivam, a Beatriz e a Inês deviam apostar nos folhetos, dedicar-se aos folhetos. Já vos disse que por falta de bateria não tirei fotos ? Ao menos valha-nos isso, mas deixo-vos aqui ideias, meditações, invocações, ilustrações, visões, impressões, opiniões, e à borla, que mais poderiam desejar ?

Ainda a propósito de William Turner, o tal que se mandava amarrar aos mastros dos navios durante as tempestades para não perder pitada do espectáculo da mãe natureza e poder depois replicá-la fielmente na tela, o vermelho dos seus céus tem que ver com o que o padre bracarense José Manuel Tedim nos conta sobre o ano de 1815, chuvoso e frio, com as vindimas a fazerem-se somente nos fins de Novembro e os frutos a amadurecerem em Janeiro seguinte. Hoje temos uma visão completa e sincrónica do mundo, nessa época porém muito reduzida, parcial e diacrónica, hoje sabemos ou conhecemos os efeitos mundiais, i.e. por todo o planeta, da eruptiva convulsão do Tambora em 1815, e sabemos pelo registo dos anais dos estaleiros que o “Temeraire” foi pintado em 1815, ano em que esse navio veleiro foi rebocado para ser desmantelado após uma vida gloriosa ao serviço da esquadra de Lorde Almirante Horatio Nelson tendo participado na célebre batalha de Trafalgar. Turner pintou o céu vermelho porque o Tambora espalhara por toda a atmosfera e estratosfera o seu pernicioso efeito, que o fiel pintor captou para a tela. Contrastando com o dito hoje sabemos o que se passa no mundo e desconhecemos o que fazem na nossa própria rua. 

Quanto à exposição/instalação em si, e já apreciei algumas cuja critica neste blogue se encontra*, bem, vamos lá, diria que não é de bom tom desmoralizar a juventude e que a Inês e a Beatriz são ainda novinhas e coiso e tal, acrescentarei ser a arte cousa de sua natureza altamente subjectiva, para acabar recomendando-lhes poisarem os olhos na Áurea, também ela frequentadora do curso de artes da UE, portanto uma ex-colega, e sobre quem já ficcionei neste blogue, é verdade que a Áurea às tantas acreditou saber mais que os mestres, ou o suficiente, mas a Áurea arriscou, arriscou aquilo que se diz couro e cabelo, singrou, trabalhou, vingou, porque era boa no que fazia, a Inês e a Beatriz que tentem o mesmo, porque não vale andar a brincar às exposiçõezinhas, alguém tem que dizer alguma vez às jovenzinhas que melhor que aquilo até a exposição de garrafas recicladas com que as criancinhas fazem as árvores de Natal que expõem na Praça do Geraldo na época indicada. Para terminar, se ainda não foi ver aquilo não vá, nem perca tempo, espere que elas cresçam, elas as artistas.

PS: Procurei o normal livro de presença dos visitantes para deixar a impressão da minha desilusão, mas tinha sido retirado ou nunca lá tinha estado, então pensei que a Beatriz e a Inês poderiam não ter culpa naquilo e ter sido simplesmente manobradas e levadas ao engano, aliciadas a preencher o verbo encher. Como diz um amigo meu bem informado e por dentro destas coisas, as miúdas podiam ter sido instadas a tal, e todo aquele estaminé poderia não ter outro propósito que fazer número, a fim de serem preenchidos os requisitos exigidos pelos concursos de acesso aos subsídios para as artes, para a cultura. Todavia conheço demasiado bem esse meu gárrulo amigo, demasiado bem para não lhe dar o devido desconto. Contudo não adianta muito perquiri-lo inquisitorialmente pois é um tipo com uma imaginação muito fértil e muito maus fígados. Recuso-me acreditar no que diz, mas a gente vê tanta coisa, e cada porcaria…

Quadro de Amadeo Sousa-Cardoso, chamariz da sua recente Expo em Paris.


quinta-feira, 23 de junho de 2016

................................... COTA 36 .....................................

“ art by Ichiro Tsuruta “ 

COTA 36

Sim, sonhei-te na amurada do meu prédio
sob as estrelas, sob a lua feiticeira
teus cabelos despertando em mim o génio
eu encostando à minha a tua cabeleira

Foi quando te abracei e segredei
dando-te dentadinhas na orelha
beijando-te a nuca
sussurrando-te,
num zum zum de abelha
cingindo-te a cintura num abraço
acariciando-te levemente o regaço
e tu
num insólito instante
de polegar em gancho repuxaste o cós
inspiraste em molde a encolher o ventre,
pegaste-me na mão, e, conduzindo-me
numa voz de fada me disseste:

- Mete a mão meu querido,
acaricia-me com doçura...

- Claro que com doçura,
que encerram carícias que não ternura ?

O pulso no teu ventre e palpitações nele
os dedos buscando onde escorregar
a carne macia, o calor quente, o deslizar
teu rosto encostando o meu
o torso contorcendo-se, bamboleando
encaixe em conchinha
o abraço apertado
segredo sussurrado
o trinta e seis sustido
e,
muito baixinho, muito leve, um gemido
gemido gozado, não sofrido
mão em concha na origem do mundo *
os dedos buscando-te em lugar profundo
profundo e profano
sou anjo bramindo
bramindo faminto
faminto do tu, de ti
tu te ti tigo
contigo
contigo no paraíso

Não, não esqueci, nem esqueço
é só o que peço
quem não pede não ouve Deus
quem não offshora não mama
mama, auréola, biquinho
sim, beijinho, devagarinho
em círculo, circulozinho
degavarinho, somente os lábiozinhos
apaga a luz
puxa o lençol
vamos brincar

desvairadinhos…

A origem do mundo”, de Gustave Courbet *
“ art by Ichiro Tsuruta “

* Em 1865, Gustave Courbet escandalizou a sociedade com "A Origem do Mundo". Este quadro realista do órgão genital feminino é considerado por alguns o mais ousado da história da pintura. Um século e meio depois, no início de Junho de 2014, a artista luxemburguesa Deborah de Robertis ganhou fama mundial ao realizar uma controversa performance perante o quadro de Courbet, exposto no Museu d'Orsay de Paris. A arte da protagonista consistiu em mostrar o seu sexo diante do sexo pintado. Por ter exposto a sua vagina diante daquele quadro, Robertis foi presa por «exibição sexual no espaço público». A arte que denominou - "Espelho de Origem" - gerou polémica, censura e notoriedade mundial.


* A origem do mundo”, de Gustave Courbet  

quarta-feira, 22 de junho de 2016

354 - AMOR, LIÇÕES PARTICULARES * ….............


À candente questão que tanto nos tem preocupado nos últimos tempos, ensino público ou ensino privado ? privado ? público ? privado ? Ninguém deu uma resposta cabal, qualquer dos lados nos atirou com areia aos olhos deixando intocável o que deveria ter sido revirado, os resultados desse ensino. Temos melhor ensino ? Privado ou público temos melhores cidadãos ? Melhores condições, melhor nível de vida, melhor desafogo económico ? Sim, porque isto anda tudo ligado, e o que vemos é uma massa de lumpemproletariado ignorante de quem os mais oportunistas se aproveitam. Oportunismo que se aprende na escola ao deixar em aberto o lugar das filosofias, da moral, da educação cívica e até sexual, da honra, do mérito, pormenores só aparentemente despiciendos e que andamos por acertar vai para quarenta anos. 

Quer queiramos quer não uma vez cá fora os nossos meninos serão avaliados a cada minuto, e, desabituados que vêem da escola, aliás até virão é mal habituados, marram no muro da realidade virtual que governos sem princípios constroem meticulosa e pacientemente há quarenta anos e onde os enrolam para depois paparem como caramelozinhos. Escola que não avalia e onde os que avaliam não se deixam avaliar nada vale, nem ela nem os que por lá andam, aprendendo ou ensinando, o resto são peanuts…

Do meu vício pela leitura de Biografias* de vez em quando deparo com tesourinhos inimagináveis, desta vez a bola branca calhou a Thomas Edison, que em criança frequentara os dois tipos de ensino e nos dois fora infeliz. Pouca gente sabe, eu confesso só agora o ter sabido, Edison acabara expulso da escola aos nove anos sendo a sua educação terminada pela mãe, uma ex-professora de origem canadense (do pai sabe-se que era oriundo da Holanda), mãe que lhe escondeu ter ele sido expulso da dita escola, que lidaria mal com alunos extrovertidos, irrequietos, curiosos, bla bla bla e ainda por cima diferentes, o catraio era mouco, tudo pormenores abundantes na personalidade do pequeno Edison. Um dos professores chegara mesmo a admitir aos pais do miúdo "ter ele bichos-carpinteiros no corpo, ser um coca-bichinhos estúpido que não pararia de fazer perguntas custando-lhe imenso aprender". 

             Parece pois que o mouquinho se acomodava mal ao estereótipo do mundo redutor e silencioso que lhe estaria destinado, há quem afirme ter ele inventado o fonógrafo devido ao facto de lhe ter ocorrido ainda criança, que a informação nem somente pelo som se podia difundir e a partir daí ter inventado com as latas de feijões um telefone, por achar que a linguagem binária de inputs ponto traço traço ponto com a qual brincava não entusiasmava. Na ocasião poucos lhe deram crédito, contudo veio a inventar e a aperfeiçoar o microfone e milhentas outras coisas que hoje damos por certas e banais, o que fez durante toda a vida e, como todos sabemos, a um ritmo completamente alucinante.

Sua mãe, em vez de lhe comunicar a expulsão confessou-lhe o quanto ele era inteligente, não podendo por isso andar naquela escola, prejudicando e arrastando os demais, obrigando-os a acompanhar o seu ritmo, e que doravante a mãezinha se encarregaria das lições dele. Acabou como todos sabemos registando ao longo da vida milhares de invenções e patentes, tudo porque a escola não lhe atrofiou o cérebro e a sua mãe, mais que ensinar-lhe inglês, gramática ou religião o ensinou a pensar, a ver, a meditar, a observar um problema e a equacioná-lo. O petiz aprendeu bem a lição e devoraria em pouco tempo toda a biblioteca que sua mãe possuía, em especial os livros sobre ciências. O resto da história já todos mais ou menos a conhecemos, ter sido o primeiro "cientista" a montar ou instalar um laboratório e a dedicar-se à investigação pura e prática de forma organizada e metódica, o que diz muito sobre ele ...

Depois da mãezinha morrer, isto passados uns bons cinquenta anos sobre o episódio em que ela, sem ele o ter sabido descaradamente lhe mentira, no rescaldo do funeral, enquanto arrumava as coisa dessa carinhosa e falecida mãe, Edison encontrou numa gaveta uma caixa com jóias de pouco valor e uma carta que nunca vira, pertences que a mãe guardara certamente por envolverem alguma recordação ou nutrir por eles qualquer especial carinho, entre eles e muito amarelecida a carta a expulsá-lo da escola, a carta com a verdade. Só então Edison se apercebeu da dimensão da vida e do amor que sua mãe lhe devotara... 

O meu obrigado a Nancy Elliott Edison, que provou ser uma professora de verdade, e o meu reconhecimento a Thomas Alva Edison seu filho, um aluno exemplar, tal qual as nossas escolas, o nosso ensino e os nossos catraios não acham ?????? 

* http://mentcapto.blogspot.pt/2013/11/171-o-sabor-da-maca.html
http://canalhistoria.pt/blog/biografia-de-nancy-elliott-edison/

sexta-feira, 17 de junho de 2016

353 - DEZ RÉIS DE MEL COADO ............................


DEZ RÉIS DE MEL COADO

(poema esdrúxulo)

Persignei-me a teus pés como ante alma divina,
para, logo depois, numa fé arrebatadora,
gizar genuflexão destrambelhada desta devoção,
abraçar-te pelas pernas, que te tremem,
martirizando-me, escutando-te o sagrado ventre,
farejando fruto sabido saber a maçã verde,
suponho que verde de madura,
de casca ligeiramente grossa, levemente ácida,
a tal que entre todos os pomos e pomares prefiro,
fruto maduro e proibido com que deliro,
para mim delicioso, maturo, primo,
fruto sagrado, pesado, quilo, quimo, chymo,
qui provoca avidez, sofreguidão, na digestão,

E tu, luciferina ? tu sobre mim ?
serei o docinho que apregoas ?
sou mel ? gostas de mel ?
ok, está bem, senão…

- P’ra ti dez réis de mel coado !   

Humberto Baião, Évora 15 de Junho de 2016

quinta-feira, 16 de junho de 2016

352 - SENO, COSSENO, TANGENTE, BISSECTRIZ

             Foto do meu amigo César Almeida, Torre Mirante de Geraldo Sem Pavor

Os nossos caminhos estavam traçados. Por isso ainda antes de nos conhecermos uma bissectriz marcou-nos a sina. Soubemo-lo somente muitos, muitos anos depois, todavia tudo aponta para a hipótese dos nossos destinos terem sido marcados nesse dia e tocados à tangente, pelo que calculo terem os astros traçado nos céus órbitas e revoluções de raio envolvente, girando tresloucados em torno de um eixo imaginado que nos arrastou a ambos num turbilhão cujo perímetro, de diâmetro ajustadíssimo, fora desenhado singularmente para nós por uma revolução candente no cosmos infinito. Atesta-o o produto final e algoritmo extraído de senos, cossenos, catetos e hipotenusas deste teorema que unidos levamos de rompante e vivenciamos.

Dois anos depois desse breve e incógnito encontro, dessa Secante cuja Corda esticaríamos até ao limite, um fantástico e vero choque de Titans e para estas duas alminhas a amplitude duma epifania, a vida alterou-se-nos com a brusquidão que somente um Buraco Negro pode forçar. De um ângulo obtuso passámos a recto, depois agudo, agudíssimo, um ângulo notável apesar de tudo e das circunstâncias, lançando-nos vogando ao sabor do acaso no céu estrelado e nesta Láctea galáxia, fundindo numa duas vidas próprias, doravante integradas num sistema ponderado pela mediatriz a que apesar das fugas, dos trejeitos, dos sólidos rombos e dos rectângulos equiláteros nos submetemos com amor.

Não lembro já que fazia eu no Castelo de Geraldo Sem Pavor naquele dia de martírio do Senhor, lembro que descia as apertadas e helicoidais escadas em diagonal, enquanto ela, em passo compassado de compasso, era uma das estrelas duma miríade de escoteiros, lembro-a tal como se hoje fosse, não exclusivamente a ela, antes toda a constelação, o Chefe de Quinas, o Piteira, vermelho então, vermelho inda hoje e que alvoroçados essas escadas subiam enfileirados e apressados. Ela tocou em mim, ombro no ombro, cotovelo no cotovelo. Por isso a lembrei sempre afincada e vagamente como uma Anã Vermelha pois assim a vi desde o primeiro momento, como Próxima Centauri, cujo fulgor se incendeia há mil milhões de anos, ao passo que eu, lembro e relembro, confiro e reafirmo esse encontro de Cometas cuja áurea ou halo haveria de partilhar e de onde nasceria este improvável par de Quarks Top, sim, porque destinados a casar, como realmente casámos e a ser felizes como todos os amantes são se da nossa dimensão fizermos fé.

É portanto a união destes dois Quasares, a quem o alinhamento dos astros nas suas trajectórias elípticas favoreceram e abençoaram que quero celebrar hoje, dois Quasares unidos numa Super Nova cuja duração e brilho desde o início geraram. Afirmo-o agora com legitimidade, livre de suspeitas e de infundadas dúvidas. Tal como Copérnico, Giordano Bruno, Galileu, Kepler, Newton, Einstein e tantos outros haviam de profetizar, as leis do universo são para serem cumpridas e se cumpriram, são universais e nós, pó das estrelas, duas vidas que se cumprem e testemunham o que lendo estais.

Louvado seja o Senhor.

fotos minhas :(



                       
             
       



terça-feira, 14 de junho de 2016

351 - SONHO ENEVOADO ........................................


SONHO ENEVOADO

Pois foi, sonhei contigo
foi quase um sonho molhado
entre risadas, lavava-te o umbigo
tê-lo-ia lavado, não tivesse ele acabado.

Ele o sonho, não o umbigo
como só num sonho acontece, ubíquo...
avançava rindo, destravado
no fim forçado, parado, como um veiculo.

Brincávamos ensaboados
tu bem disposta, e bem roliça
formas redondas, lugares sagrados
eu p’ro alarve, pela derriça…

Precisamente porque parou
tu, ou eu; agora não, não não, não pares
foi aquele não pares, que me acordou
pois, pára de me acordares...

Humberto Ventura Palma Baião - Évora, 14 de Junho de 2016


quinta-feira, 9 de junho de 2016

350 - UNIVERSIDADE DE ÉVORA, UM FIASCO ...


Para ser prosaico o que me levara ali fora a nostalgia, a nostalgia e a Cândida, cuja candura teimava apostar em nos reunir a todos num almoço comemorativo dos trinta anos de curso. Já o Adriano manifestara idêntica ideia. Ela sonhava delirando com os comensais, os sorrisos, as piadas, e com as famílias no entretanto formadas e as alargadas, acompanhando-me com um ar ora exaltado ora meditativo que aos olhos de quem a observasse a pintava de tolinha. De parva não tinha nada, mas parecia.

 

O primeiro revés surgiu mal nos aproximámos da entrada, uma informal tabuleta convidava o visitante a desembolsar três euros se quisesse desfrutar da beleza do lugar, um dispositivo electrónico zelava pelo cumprimento da norma e não permitia a abertura das portas a menos que…

 

- Não acredito ! Desabafou com pouca ou nenhuma candura a Cândida.

 

Confesso que há uns tempos atrás ouvira na mesa do café um zumzum, mas como nem os jornais da terrinha nem quem quer que fosse tivesse voltado a mencionar a coisa o assunto acabara por ser esquecido.

 

Depois de breves trocas de impressões com um funcionário e algumas professoras e professores que ou entravam ou saiam a Cândida, puxando do seu vernáculo desabafaria:

 

- Se ao menos se limitassem a codilhar os de fora, mas não, nem os da terra se safam, nem os da terra nem os antigos alunos, uma vergonha, fosca-se !

 

Estive tentado a concordar com ela, porém tentando simultaneamente junto dos interlocutores que se iam juntando ao debate no incerto equilíbrio entre entradas e saídas averiguar de quem partira a decisão, como fora votada a questão. E que teriam adiantado em prol ou contra o Senado e a Associação Académica ?

 

Debalde, de positivo ninguém sabia nada de nada e todos me deixaram de balde na mão, de balde e de esfregona, e freando a minha enormíssima revolta e contestação que ao longo de duas semanas esperei me abandonassem para não escrever este texto debaixo do efeito do sangue na guelra que é como quem diz a sangue quente. Eu não sou a Cândida mas também não sou cândido.

 

Dei-me tempo para arrefecer, para pensar, para ponderar, dei tempo ao tempo para que o bom senso retomasse a mim de novo, pelo que agora calmo, reitero a opinião que então formulara. A liberdade de isenção de taxa de entrada deveria abranger todos, eborenses e não só, ex-alunos e não só, porque se os eborenses e os nacionais já pagam tudo enquanto contribuintes e através dos impostos que entregam à Fazenda, não é justo que um particular pagamento lhes seja exigido para visitarem o que afinal é deles, a eles pertencem e eles pagam ou mantêm.

 

Do ponto de vista meramente fiscal tratar-se-á no mínimo de dupla tributação, com a desvantagem de discriminar quem cheio de boas intenções se lembre de visitar tão vetusto lugar.

 

Sim, esta semana cheio de nostalgia fui visitar a minha UE, a nossa UE, não pude entrar, não levava trocos, exigiram-me pagamento à entrada... Ali não há direitos adquiridos... Há tristeza. E há falta de vergonha. Ainda aleguei ser minha, ser eu que a pago, que pago tudo... Foram insensíveis.

 


É muito difícil ao comum dos mortais avaliar em consciência ou com alguma exactidão esse tipo de impacto, desde logo porque a própria academia propositadamente se fecha sobre si mesma, o que já é um mau sinal, um mau indicativo ou mau sintoma Diz-se, deduz-se, intui-se, supõe-se que a academia terá algum impacto sobre a região, e certamente terá, qual a sua dimensão ou qualidade é segredo que ela esconde como coisa que a envergonhe.

 

Através dos seus sábios pouco ou nada se sabe, nem tão pouco o que pensam sobre a civitas que os acolhe, donde, à mesa do café extrapolámos o seguinte pensamento; “não vivem para a civitas, vivem da civitas”, tendo sido deduzido entre nós ser o seu impacto real muito inferior ao que o vulgo lhe atribui, o que, e ninguém o negou, constituía para todos uma vera preocupação.

 

Que produzirão de positivo tantos departamentos e tanta gente que os contribuintes sustentam ? É que na ausência de informação cabal e insuspeita quaisquer teorias da conspiração nos acodem ao espírito, a percepção que a população em geral tem da U.E. e do trabalho que esta desenvolve, e quem diz desta diz dos seus sábios. população para quem a vida está cada vez mais difícil e que, ao olhar as estatísticas que jornais e televisões diariamente apresentam nada mais vê do que Portugal consecutivamente no fim de qualquer tabela, e a descer, e atrás dele, ou nele, o Alentejo como região mais pobre no seio da pobreza.

 

Há pouquíssimo tempo num texto educadíssimo um docente da Universidade de Évora, Dr. Carlos Cupeto de seu nome e em crónica cujo link vos deixo no fim da página abjurava o distanciamento existente entra a faculdade e a cidade, ora pelos vistos a faculdade cultiva com primor esse distanciamento, cultiva-o, alimenta-o e promove-o, a cidade paga-lhe pela mesma medida ignorando-a com acrimónia.

 

Tenho aqui acusado a instituição universitária de se fechar excessiva, se não maliciosamente sobre si mesma, volto à carga, se é de falta de verbas que a UE carece carregue sobre o ministro da tutela e exija mais, ou, faça render o peixe e busque rendimentos no fruto do trabalho dos seus sábios, no fruto do trabalho que produzirão tantas escolas de excelência, tantas escolas do saber que em si própria alberga ainda que eu não esteja a ver nem como nem quando nem quem seja capaz de atingir tal desiderato.

 

É vergonhoso que a faculdade seja incapaz de gerar por si mesma os recursos de que carece para resolver os seus problemas taxando com uns míseros três euros os desgraçados que a procuram e consideram, tão lesta é a consumir os recursos do Orçamento de Estado cada vez mais e vitalmente sempre necessários noutras áreas das nossas vidas.

É igualmente incompreensível que nenhum órgão de comunicação social local ou regional, a Região de Turismo e até a autarquia não tenham então, nem nunca, trazido o assunto à berlinda ou não tenham tido sequer uma palavra a dizer quanto à estratégia turística local, regional ou nacional, deixando nas mãos de académicos o perigoso perigo, desculpai-me a redundância, de tomar decisões sobre matérias que não entendem nem dominam mas com efeito sobre as vidas de todos nós. Como dizia o venerável estadista Georges Clemenceau “a guerra é uma coisa demasiada grave para ser confiada aos militares” eu direi que esta é uma questão, como muitas outras, demasiado séria para ser deixada nas mãos de académicos.

Que se dediquem às ciências, às artes, às filosofias, às línguas, á história, às letras, matérias onde pontificarão sabiamente, sem porém lograrem obter benefícios ou rendimentos que não os que mensalmente levam para casa à custa de todos nós.

O Turismo é para ser fruído por todos, a vinda de turistas a Portugal ou a Évora não é feita para providenciar rendas à Universidade ou para esta se aboletar à custa deles, o turismo é pensado, promovido, gerido e acolhido a pensar em centenas de negócios e milhares de portugueses a quem dá emprego, negócios e empregos que a avidez cega da nossa improdutiva universidade assusta e enxota como quem espanta corvos do quintal ou da seara os pardais.

 

Na universidade ninguém de entre os nossos sábios parece querer ser incomodado na pacatez mesquinha da sua vidinha e esquecem-se que tudo devem à cidade, à população que ignoram e hostilizam, desde o edifício onde estão belamente instalados, ao orçamento anual que os alimenta.        

 

Observando os números sérios que estatísticas e estudos ou sondagens várias nos proporcionam, forçoso se torna concluir que a academia não tem tido impacto nenhum no desenvolvimento da região pelo que me pergunto muito legitimamente quantas patentes a U.E. registou nos últimos trinta ou quarenta anos, a quantas empresas se ligou, quantas formou de raiz, e quantas vezes a U.E. fez ouvir a sua voz aconselhando, corrigindo, reclamando ou sugerindo uma estratégia de curto ou longo prazo para a região em que se insere e que cada vez mais ocupa o fundo da tabela, de todas as tabelas. 

 

Pois que com tantos sábios façam alguma coisinha de original, comecem por acabar com a vergonhosa cobrança de entradas, só para compararmos a Alemanha tornou gratuita a frequência de todas as Universidades do país porque lá as universidades rendem, isto é cobram o fruto do seu trabalho, pois que a UE as imite e continue, publique anual e publicamente o seu orçamento institucional para que todos saibamos quanto nos custa e quanto nos rende tanta sabedoria. Pela ordem de ideias que preside à UE os turistas teriam direito a cobrar a divulgação da imagem que lá fora fazem dela e da região, do país, imagem que traz cada vez mais deles até nós a julgar pelos números que têm vindo a ser divulgados nos mídia.

 

A pequenez do alcance e visão da universidade parece todavia mais apostada em matar a galinha dos ovos de ouro, matar a galinha, comê-la sozinha e atirar-nos os ossos, que é como quem diz ignorar-nos e ofender-nos.

 

É pena, é triste, é o nosso fado.