segunda-feira, 29 de agosto de 2016

000 - PEDRAS, COM TODAS FAREI UM CASTELO


PEDRAS, COM TODAS FAREI UM CASTELO …

(poema anotado em meia dúzia de guardanapos de papier.)


Atirar a pedra, esconder a mão,

como não,

nada mais havendo a atirar,

ou a tirar, retirar,

nem uma simples ilação.



Como não esconder a mão

que nada tenha para dar,

que nada esconda p’ra te enfeitiçar,

como não retirar essa mão.



Essa mão recusando reduzir-te,

a objecto, a dejecto, abjecto,

assim,

ficará apenas o acto,

a pedra atirada

p’ra que te saibas admirada,

quiçá amada.



Tu, que muitas pretensões satisfarias,

certamente as mais nobres pretensões

seriam preenchidas às mil maravilhas,

mas,

por nada mais restar que admirar-te,

entretive-me a picar-te,

a provocar-te,

atirando as pedras,

retirando a mão,

pousando-a sobre o coração.



O mesmo heart que te atiraria um dia,

que te daria um dia,

e nem imaginas o que eu faria

um dia,

em que pedras não tivesse e pudesse,

nesse dia,

atirar-te p’ra cima boas intenções,

um coração vermelho,

encarnado,

ensanguentado, desesperado,

por não poder, não ter podido,

deixando-me perdido porque encontrado,

e manietado, limitado,

limitada,

por quotas,

por ações,

em comandita,

anónima,

expedita,

como esta ânsia abrupta há anos desperta,

há anos  (in) contida,

apontada, focalizada,

personalizada, pessoalizada,

inaudita, e que,

hoje impossibilitada,

tira pedras da calçada,

retira pedras do castelo,

pedras encontradas, pedras a mim atiradas.



E amontoadas,

esperando a ocasião de serem atiradas,

e a mão recolhida, escondida,

feliz, divertida,

por ter-te provocado,

depois de mirado,

analisado, comparado, admirado,

e reduzido a um coeficiente,

a um número primo, a um algoritmo,

soma, resultado, equação, resolução

chave, solução,

paixão.



Reduzida a uma matriz,

um quadro de referências, cânone,

a sonho e paciência, a palavras cruzadas,

segredo e mistério, sacrifício e redenção,

ou não te chamasses tu Anunciação

by Humberto Baião – Quinta-feira, 14-06-2018, pelas 11;19h - Évora

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

376 - LUTA DE GALOS ***..........................................


Era demasiado novo, por isso me pareceram manápulas as mãos que meu pai, irado, colocou em cima de mim, uma nos fundilhos outra na gola da camisa arrepanhando-me os cabelos da nuca que quase arrancou, elevando-me nos ares, eu gritando em desespero, para dois passos depois me depositar violentamente no chão, frente à porta de casa, onde entrei abruptamente e de supetão devido ao seu gesto irado.

Eu nem me apercebera da coisa e demorei anos a entendê-la, décadas, e, não fora terem-me ficado gravadas na memória as manápulas e a ira de meu pai e talvez tudo aquilo tivesse sido esquecido, como esqueci quem eram os que na matança disputavam comigo as unhas dos porcos, arrancadas pelos homens num repente, quentíssimas, jogadas fora para que não lhes queimassem as mãos e pelas quais nós lutávamos sôfregos, embora nunca eu tenha resolvido a questão do nós, nós quem ? Tal como nunca percebi que raio tinha o sabugo das unhas dos porcos de especial, ou de bom, para assim as disputarmos, embora recorde ainda, e bem, o seu sabor adocicado e sobretudo o agradável cheiro a chamuscado, como as lembro sempre que no inverno o pacote das castanhas me queima a mão, ou as mãos.

Como habitualmente, jogava Alquerque* com o Julinho na ampla e larga escadaria de lajes e poucos degraus do adro da igreja de Nossa Senhora da Lagoa, e nem eu nem ele déramos pela multidão que se juntara, foram os gritos dos contendores, roucos, guturais, já dentro da roda que à volta deles se formara e que com eles balançava para a direita, para a esquerda, para a frente, para trás, conforme as estratégias e tácticas usadas pelos dois homens que dentro dele se confrontavam espumando baba, raiva e palavrões que os guinavam ora para um lado ora para outro quem nos chamou a atenção. A mole humana, deveria dizer a turba que os cercara, observava, admirava e incitava, gritava como eles a cada ataque, a cada investida, a cada pulo de ataque ou de esquiva, incitando-os ou criticando-os e espumando de igual forma. 

Foi pouco depois dessa ocasião que o senhor Teófilo colou na porta da Junta de Freguesia um edital proibindo terminantemente folhas com mais de sete centímetros. Até aí qualquer um usava a navalha que quisesse e dada a proximidade de Espanha as de ponto e mola eram largamente preferidas, contudo diga-se a propósito que nenhuma delas teria uma folha com menos de sete centímetros, havia-as até que ultrapassariam os quinze, talvez mesmo a maioria. Essas eram as navalhas pessoais pois além delas havia as de trabalho, bem diferentes umas das outras e cuja folha se adaptava mais à função que à régua e esquadro de qualquer legislação.

Foi o alarido que me fez largar o Alquerque* correndo a matar a curiosidade no justo momento em que alguém jogava uma navalha a um dos desavindos. Não sei se a não tinha se a deixara cair, sei que alguém, presto lhe atirou um navalhão de podar, daqueles de folha levemente em gancho, larga, p’ra lhe dar maior resistência, ainda hoje me interrogo se não teria sido totalmente descabida uma navalha daquelas e se quem o fez não teria outra maliciosa intenção. De folha mais curta e incapaz de perfurar aquela navalha deixaria quem a tivesse nas mãos nitidamente em desvantagem.

Eu assomava por entre as pernas dos homens ou agarrado a elas, e nem eles paravam quietos nem os gladiadores na arena.  Urros guturais, saltos, golpes instantâneos desferidos em ataques, ou em defesa, sangue, cortes nos braços dos dois, um sangrando da cara, as navalhas confundindo-se-lhes nas mãos tintas de sangue cujo cheiro devia funcionar como adrenalina num cio latino, machista, sei lá, digo eu, o que sei é que o cheiro do sangue não me abandonou até hoje sendo muito diferente daquele com que as mulheres faziam a rechina. **

Um deles chamava-se Bartolomeu.

- Bartolomeu pede ajuda a Deus ! Gritava a turba.

Um deles dizia eu, esse, parecia estar condenado, ensanguentado, todo ele era sangue, notava-se-lhe o cansaço, já nem espumava da boca e falhava os golpes por o sangue lhe toldar a visão.

A multidão ululante apostava nitidamente na sua derrota, não que tal fosse uma questão de simpatia mas como sabemos dos fracos não reza a história, nem a maioria os respeita, ele fora somente o primeiro a ceder e portanto nunca teria quem por ele intercedesse, o tempo dos cavaleiros andantes e do cavalheirismo não era aquele e os gritos da mole humana pendiam claramente a favor do adversário do desgraçado do Bartolomeu. Nessa tarde ele seria o touro de morte na arena. A luta seria até ao fim, assim rezava a tradição, a menos que a guarda os separasse e nada menos que a guarda, entretanto mandada chamar por alguém ao posto da aldeia do Telheiro e que no melhor dos casos ali estaria dentro de uma hora a hora e meia, o desgraçado do bom do Bartolomeu estava condenado.

Mas a vida carrega imprevistos e quando menos se espera dá meia volta ou uma volta completa e, ironia das ironias a confiança do outro traí-o ou a confiança na vitória antes do tempo ou uma pedra mais saliente no irregular empedrado da calçada, o que sei é que todos à vez largaram um

 Oooooooooohhhhhhhhh ! ! !

quando ele se desequilibrou e, por centésimos de segundo abriu a guarda. Bartolomeu viu o raio de sol que Deus lhe enviava sob a forma de uma oportunidade única e irrepetível, listo disparou um salto, o braço movendo-se rápido pelos ares como o duma ceifeira, a lâmina em gancho beijando as calças de saragoça ensanguentadas do outro, nem de pé nem caído, antes num desequilíbrio estático que lhe foi fatal pois não houve ninguém que não visse a golfada de sangue atrás da lâmina da navalha de podar do Bartolomeu que num pincho lhe enganchara a perna e lhe cortara a safena num golpe de mestre lancinante que deitou por terra o outro, esquecido da sua própria navalha para, a mãos ambas tentar um garrote e não logrando, as golfadas jorrando, toldando-se-lhe a visão ainda nem acabara de ouvir da multidão um:

Aaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhh ! ! !

que surpreendida arredava, como se a morte precisasse agora de mais espaço que a vida e o outro estrebuchasse aos saltos ao invés dos tremores e espasmos frios em que se encolheu, encostado aos degraus da dita escadaria, o cotovelo apoiado no meu jogo de Alquerque, as mãos aflitas tacteando a safena que se lhe sumira, tal qual quando os touros em pontas colhem os toureiros pela altura da virilha e em minutos os vêem esvair-se em sangue sem apelo nem agravo, tal qual este agora, sem saber se tactear se rezar, a alma e o olhar sumindo-se-lhe na direcção do nicho com um painel de azulejos de Nª Senhora da Lagoa, que ainda a hoje se pode ver no frontispício da igreja com o mesmo nome e em frente da qual eu morava.  

Foi quando ele me agarrou com as manápulas, arrancando-me à garra magnética da multidão com tal facilidade que inda hoje me surpreende. Logrou é certo, evitar que assistisse ao final daquele macabro espectáculo contudo não teve a mesma sorte quanto à triste cena do estertor do vencido. Era assim na minha terra há cinquenta anos, naqueles tempos lavavam-se os agravos e a honra com sangue, isto vim a sabê-lo muitos anos depois, o motivo, o móbil, a provocação ou a ofensa essa nem estive sequer perto de a saber.

Empurrando-me com brusquidão atirou-me para dentro de casa fechando atrás de mim a porta e rodando a chave, enraivecido jurei ali mesmo que, tivesse eu nas mãos uma ponta e mola daquelas espanholas e havia de lha ter espetado sem compaixão no coração. 

Até ao fundo...


*  Alquerque: velho jogo árabe cuja origem ninguém na vila conhecia. Uma espécie de “jogo do galo” em que cada contendor ao invés de alinhar cruzes procura alinhar as suas pedras. 



terça-feira, 23 de agosto de 2016

375 - O MUNDO DO AVESSO .....................................


Costumo entreter-me por ali, numa outra cafetaria, mas hoje, que é dia de estar fechada, depois de comprado o pão na D. Maria e o jornal no quiosque da Micas, dei meia dúzia de passos e sentei-me na esplanada de um café onde nem costumo ir nem me dão motivos para tal, contudo a aragem que soprava contra um sol que prometia esturrar convenceu-me. Eram umas nove horas e faziam-se sentir talvez uns 28º pelo que me sentei e puxei do jornal ansiando pela bica quente e pela água fresca.

Fogos e mais fogos lá para cima, o Alentejo está tão despovoado, desinteressante e abandonado que nem fogos aqui ateiam. O país arde há quarenta anos sem que ninguém se importe, há quarenta que todos os anos arde e como nada é nosso ninguém se importa com o que quer que seja, deixem arder que o meu pai é bombeiro…

Nem comigo parecem importar-se, uma hora e vinte minutos depois de me sentar continuo sem ser atendido. Levanto-me, volto à D. Maria que fica surpreendidíssima por me ver voltar e sobretudo sentar. Bebo a bica e a água rodeado de alegria sincera e é ela quem me diz que naquela esplanada não têm serviço de mesas, ninguém parece importar-se, eu importei-me, e levantei-me, são eles que precisam de mim, não eu deles, naquele café como no país as prioridades estão invertidas e ninguém parece incomodar-se, para a próxima levarei de casa e na bolsinha das bugigangas e dos livros a água bem fresquinha. Homem prevenido…

O cabeçalho do jornal não é de molde a alegrar-me, remete para a dificuldade que imensos portugueses sentem ao tentar tirar a carta de condução chumbando logo de início, no exame de código e em percentagens alarmantes. Todavia desta vez alguém se importou, associações de escolas de condução reclamam junto do IMT que se baixe o grau de exigência dos exames (iguais em toda a UE) no que está em consonância, pasme-se, com a PRP (Prevenção Rodoviária Portuguesa).

Claro que a ninguém ocorre estar o mal no nosso sistema de ensino, na indisciplina das aulas, não permitindo a aprendizagem, nos professores que não são avaliados infestando-se as escolas por quem nem sabe ensinar (uma ressalva para os bons profissionais que também lá os haverá), terminando em alunos com passagens administrativas e portanto com fortes incentivos a que não se chateiem… nunca saberão articular uma frase ou perceber, entender uma frase escrita ou ouvida, mas também aqui ninguém parece importar-se ou incomodar-se, como quererão que entendam o que lhes é perguntado num exame de código ?

Nas páginas interiores do diário o panorama não melhora, segundo um outro estudo efectuado seremos insuficientes em tudo menos na produção de vinho e cerveja, todos os outros itens, em maior ou menor grau, de zero a vinte cinco por cento vêem de fora, importamos frutas, cereais, hortaliças, carne, e pasme-se de novo, peixe. Sei que temos a maior zona marítima exclusiva da UE e no entretanto, para contrabalançar, o número de reformados da fp acaba de ultrapassar o numero de activos e por este andar qualquer dia meio milhão de activos aguenta nove milhões de desempregados e aposentados, não que alguém se importe, deixai arder que o meu pai é bombeiro…

Ninguém tem mão neste país, desde inicio do processo democrático que se instalou o amiguismo, o compadrio, o partidarismo, o seguidismo, desde aí foi instaurado o reino da cunha e não do mérito, e a democracia e os nossos democratas vêem-se incapazes de lidar com gente como Isaltinos Morais, Oliveiras e Costas, Duartes Limas, Loureiros, Dias e Valentins, de Sócrates a Varas, a Granadeiros, a Zeinais, a Bavas, a Salgados...

Estou plenamente convencido que essa história do 25 de Abril foi a maior banhada que levámos, eu e a malta que habitualmente amesenda comigo no café, isto é tudo menos uma democracia, isto é um país desigual, um país disfuncional e num estádio involutivo bem pior do que antes do bambúrrio da revolução. Só neste país e durante uma crise tremenda duplicaram os bilionários e respectivas fortunas sem que alguém se tivesse importado com a correspondente duplicação dos pobres e da miséria, sem que alguém indague porque à riqueza de uns corresponde a pobreza de outros, e sobretudo impressiona que ninguém tome medidas, medidas de fundo, que não as que habitualmente se tomam para inglês ver…

Só neste peculiar país e democracia a ninguém interessa que o estado, o fisco e a banca despoletem penhoras a torto e a direito, numa insensibilidade insana, monstruosa e vergonhosa semeando mais pobreza, mais vitimas e mais dramas perante os quais ninguém se mexe, ninguém mexe uma palha, como se cada um e todos nós não estivéssemos no mesmo barco e portanto que ver com isso.

Só este país se dá ao luxo de sacudir e despachar por todo o mundo desempregados e emigrantes como se não fossem portugueses, como se não fosse responsabilidade nossa, nossa dos diversos governos, que ignorantes do seu dever e função fizeram como me fizeram na esplanada, onde parecem nada ter que ver ou responsabilidades para com quem nela se senta, não é com eles, não servem às mesas e acabou-se, quem estiver mal que se mude, agindo uns e governando outros como se não precisassem dos clientes, ou do país mas os clientes, ou o país, precisasse (em) irremediavelmente deles… Entretanto governos e governantes, que em vez de governarem se governam e martelando a ética a seu bel prazer, entram pobres e saem ricos, e quem porventura ainda se importe com tal desiderato provavelmente terá que votar em Salazar para se puder livrar destes democratas engravatados que cada vez mais nos sugam e nos devoram.

A velhinha RTP2 tem vindo a passar uns documentários sobre o Estado Novo e a PIDE, antes da PIDE, isto é a PVDE e ainda antes desta, logo no inicio do Estado Novo a pioneira PPSE e a PDPS, enfim, é um rol de tristes e revoltantes verdades que essas reportagens inusitada e magistralmente desenrolam ante nós, o aviltante abuso do poder, as vergonhosas detenções sem mandato às tantas da matina, a abusiva censura à liberdade de expressão, a ausência dos direitos mais comezinhos, a prepotência dirigida com sobranceria, as violações de privacidade e dos mais elementares direitos cívicos tornadas hábito, as perseguições impiedosas de opositores, coisa que hoje se faz muito mais subtilmente, todo um rol de absurdos a RTP2 nos relembra ou desvenda como se estivéssemos num outro mundo virado do avesso.

Contudo sou despertado por uma pequena nota de rodapé na penúltima página do jornal que folheio e que me dissiparia a mais pequena dúvida caso ainda a tivesse, os portugueses são mal-educados, burros e estúpidos. Mesmo assim, afirmou-o a pés juntos a jornalista e escritora Marisa Moura. Claro que não me estou a incluir neste número, nem a você cara amiga ou amigo que me lê, era o que faltava, nós somos excepcionais e boas pessoas evidentemente, mas os outros, o grosso da população no geral é-o, é plena de preconceitos, incapaz de uma análise crítica, incapaz de entender uma frase curta, de formular ou sequer de defender um juízo mas debitando juízos de valor às golfadas e incapaz duma opinião, enfim, do piorzinho.

Sempre fui democrata e fiel defensor da democracia, porém conheço o meu país e as suas gentes, essa coisa da democracia, como já Eça dizia, fica-nos curta nas mangas, essa coisa da democracia é para povos mais evoluídos, para os povos do norte e centro da Europa e jamais a recomendaria entre nós. O que nós precisamos é um líder com uma visão abrangente ao invés de visões sectoriais que se entrechocam e anulam, ou se tornam perniciosas devido à falta de uma visão de conjunto, o que nós precisamos é de um líder decidido, capaz de pensar e tomar uma resolução certa e correcta na hora, que corte a direito e sem hesitações, que identifique num olhar o cerne do problema e as moscas em redor da merda, que use bota de tacão alto e saiba qual o lugar do pescoço onde deve carregar, fazer força, porque já os romanos o afirmavam, aqui vive um povo que nem se governa nem deixa que o governem, porém acredito firmemente que havendo quem, o problema se resolveria em três tempos. Há quarenta anos que andamos a preguiçar e nisso todos temos culpas, ainda que ninguém assuma a coragem de forçar ou obrigar à solução... Vai ter que aparecer alguém com tacões ou de contrário nada se fará deste nem com este povo e o país definhará...

Está demonstrado à saciedade, basta ler a história pátria, sempre que Portugal teve à sua frente homens esclarecidos e decididos avançou. Nos outros países querem-se democratas, aqui teremos que querer um homem de barba rija, e que venha Ele quanto antes, um Pinochet ou um Estaline, mas que venha depressa ou esta nação com mais de 800 anos apagar-se-à ingloriamente... Na impossibilidade de nos endividarmos no mercado, ou de fazer girar as rotativas e imprimir notas, na impossibilidade de novo resgate, restaure-se o Tarrafal para dar guarida aos democratas caídos em desgraça, digo aos que ditaram e ditam a nossa desgraça, reactive-se Caxias, Peniche, e a Carregueira, Boa-Hora e Aljube, arranje-se uma policia delicada mas persuasiva e ponham-se todos a trabalhar trabalhar trabalhar quarenta horas por semana... Torna-se imprescindível implementar uma solução assim, aliás já devia ter sido implementada há anos... E uma espécie de PIDE durinha que motive os trabalhadores a trabalhar, os ociosos a amar o trabalho, os do contra a virar a favor e os patrões ou empresários a serem organizados e solidários, e forçados a portarem-se bem... Idem para os banqueiros e bancários, tanto bastaria para que em seis meses se endireitasse este país.

Então abrir-se-iam milhares de vagas para bons empregos, só dos democratas fugidos à justa justiça e ao muro de fuzilamento ficariam para concurso uns larguíssimos milhares de lugares, é que não basta dizermo-nos anti-Salazaristas ou anti-fascistas para sermos melhores que esses fulanos, é preciso sermos mesmo bons, é preciso prová-lo, é preciso fazer igual ou melhor, e ainda não vi essas provas, mas já vi ao longo dos últimos quarenta anos, muita merda, e muita podridão, e muita corrupção. Se há coisa que aprendi com estes democratas foi a ser um exigente ferrenho. Só um homem providencial podem ter a certeza fará melhor figura que os que por lá passaram nos últimos trinta anos a quarenta anos... Toda essa gente que por lá passou não faz sequer ideia do que seja um país quanto mais governá-lo...Só lhes falta inteligência para meterem o país a funcionar... E o pessoal a trabalhar... Pois aqui neste cantinho à beira-mar, está provado que sem um forte incentivo nada se faz..... Forte mesmo.... Forte que nem uma muralha de aço, servia o forte de Peniche... Porque começando em Soares e Cavaco e Guterres e Barroso e Sócrates e toda essa tralha, terminando no inconcebível Pedrinho, ninguém soube o que andava fazendo... Só reconheço a esta democracia um mérito, ter feito de mim um déspota esclarecido, exigir para este país um déspota esclarecido, isto não é povo para ir ao lugar sem trela curta... Sem Aljube, sem Caxias, sem PIDE, sem pressão ninguém fará nada desta maltinha, é sabido que o medo guarda a vinha... Uma PIDE com um bom edifício, bons calabouços, quase nem precisaria de agentes... E voltaríamos a crescer 6% ao ano como no tempo do malfadado fascismo... O 25A foi a maior banhada que este povinho levou... E ainda batem palmas... Retrato idólatra tão bem definido do que têm sido as últimas décadas de despudor e oportunismo que as palmas não imagino.

Deliramos rumo à utopia há quarenta anos, já é tempo de acordarmos, isso e o uso do politicamente correcto na condução de um povo que alimenta a ilusão de ser um povo desenvolvido e esclarecido está a matar-nos. Pobre povo… Nação valente... Onde estás, para onde vais ?!!! Estás endrominada, obnubilada com o purguesso, os direitos adquiridos, as liberdades e garantias, mas és piegas, e esqueceste os deveres, passas os minutos a queixar-te... Falta-te estoicismo, faltam-te hábitos espartanos.... 

Estou convicto não ser uma boa solução o caminho que apontei, mas vejamos, temos uma taxa de desemprego que o Estado Novo nunca teve nem nos piores momentos, temos uma taxa de crescimento vergonhosa para esgrimir contra uma taxa média de 6% que o Estado Novo apresentou durante décadas, temos uma dívida maioritariamente nos bolsos de corruptos que nos vai condicionar a vida durante cinquenta anos, o Estado Novo não deixou divida, deixou ouro às toneladas, o pouco que temos feito saiu caríssimo e custou-nos os olhos da cara, um opróbrio. O lírico TGV custou-nos 150 milhões e nem passou de uma ideia, a Ponte Salazar foi feita no prazo, sem derrapagens nem aumento de custos, haja vergonha,. Teremos que erguer novamente como nosso o velho lema corporativista, um por todos, todos por um, todos pela nação, nada contra a nação. O resto são cantigas, embarrilaram-nos com o 25 de Abril, a democracia, como as pérolas, não é para todos… Acenaram-nos com a ilusão...

PRESERVAÇÃO ...

"Chama-se liberdade o bem que sentes,
Águia que pairas sobre as serranias;
Chamam-se tiranias
Os acenos que o mundo
Cá de baixo te faz;
Não desças do teu céu de solidão,
Pomba da verdadeira paz,
Imagem de nenhuma servidão!"


Miguel Torga  

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

AMARGA AMARGURA ..............................................


AMARGA AMARGURA *

Uma músiquinha está xingando n’ha mente,
nem será bem xingá, eu nem ouvia ela,
n’ha frente e eu nem via, nem tã pouco ouvia,
era mais um lamento, assim uma melodia,
p’ra cá e p’ra lá, ao sabor do vento,
nem dando descanso, nem parando o pensá,

e toda hora lá vinha ela com meu magicá,
arrastando o lembrá, fudendo o sonhá,
essa melodia por mim adentrou,
me atingindo e ferindo tal lamento doído,
p’ra cá e p’ra lá, p’lo vento trazido,
me xingando a valê, carregando o doendo,

não dando descanso naquilo que penso,
em tudo que sinto,

cortando bem fundo, espetando meu mundo,
ferindo acutilante, picando, destruindo,
um perigoso lamento se instalando profundo, 
n’ha esperança ferindo, melodia virando agonia,
matando divagá, divagando divagarinho,
num derivá de vagabundo,
virando, revirando, torcendo tudo,
me destrambelhando,

quebrando a ternura que levedando  apura,
melodia em lamento p’ra cá e p’ra lá todo santo dia,
ao sabor do vento, entrando mim adentro,
azedando o pensá, doendo sem fundo,
cortando lancinante, deixando f’rida aberta,
porta escancarada, amargura instalada,


e meu pensamento doendo m'rmão.

* Escrito e publicado por Humberto Baião em 10 de Agosto de 2016 - Évora


https://youtu.be/FqwJPJa1EUk

AMARA MALGOJO * 

Iom kanto malbenon n'ha menso,

nek estos bone Malbenado Mi ne aŭskultos,
n'ha fronto kaj mi ne vidis aŭ aŭdis malmulte ta,
Estis pli lamento, kiel melodio,
p'ra p'ra tie kaj tie, la vento,
ne ripozigis, ne haltante pensi,

kaj ĉiufoje oni gxin per magio,

trenante memorigi, la putino sonĝi,
ke melodion por mi eniris,
mi frapanta kaj vundante tian malkontentigas bedaŭro,
alportis p'lo vento p'ra p'ra tie kaj tie,
mi insultis la valo, portante la dolor,

ne ripozigis en kion mi kredas,

en ĉiuj mi sentas,

kaj tranĉante reen, jabbing mia mondo,

vundante razilo akrajn, prickling, detruante,
danĝera bedaŭro ekloĝante profunda,
n'ha espero doloranta, melodio turnante agonio,
mortigante vagas, vagante malrapide,
derivita bum,
turnante sin turnis, tordante ĝin,
destrambelhando mi,

rompante la tenereco feĉo demetas,

melodio bedaŭro p'ra p'ra tie kaj tie ĉiu ununura tago,
la vento, venanta en mi,
agriando la pensado, vundante senfunda,
tranĉante neforigebla, lasante f'rida malfermita,
malfermita pordo, instalita akreco

kaj Miaj pensoj doloranta m'rmão.

* Skribita kaj eldonita de Humberto Baião sur Aŭgusto 10, 2016 - Évora

https://youtu.be/FqwJPJa1EUk

domingo, 7 de agosto de 2016

374 - PATRIMÓNIO ......................................................


Havia muitos anos não tirava férias, e para férias em bolandas como aquelas, provavelmente teria sido preferível nem ter nenhumas. Primeiro interrompera-as por causa do desvio do malfadado avião, uma segunda interrupção ficara a dever-se ao assalto do navio, uma terceira, e que o irritara solenemente e em simultâneo o fizera rir devia-a ao muro, erguido de um dia para o outro em nome da liberdade, diziam.

A continuar assim acabaria as férias no ano seguinte, ou no outro, pelo que sua senhoria acabara mesmo por se arrepender de, contra seu hábito, ter tirado férias. O telegrama vincava a urgência, e o mais que ele poderia fazer eram suposições olhando os títulos dos jornais e tentando ver além deles. Sem Telex estava de mãos atadas. A que se deveria tamanha urgência? O problema da Baía dos Porcos estava suficientemente afastado para que a exigisse, porém o recuo e deslocamento das tropas espanholas em Marrocos e a sua concentração em Ceuta e Melilla não estavam nada longe e eram um caso diferente, diferente mas suficientemente próximo para gerar alguma inquietação, não estavam longe os dias em que Afonso XIII aflorara o nunca esquecido desejo espanhol de nos anexar.

Era em tudo isto que o senhor embaixador pensava enquanto estugava o passo dando corpo à urgência com que fora instado, ainda lhe ocorrera uma qualquer relação com os movimentos terroristas que eclodiram nas províncias ultramarinas mas varreu a ideia do pensamento, o seu ministério não era o da guerra. E quanto mais a curiosidade o acicatava mais ele apertava contra si a pasta que sobraçava, acelerando o passo corredores adiante.

Esperava-o no cimo da escadaria o chefe da casa civil, que o cumprimentou com desvelo e consideração, apontando-lhe um inusual gabinete e solicitando-lhe dois ou três minutos de espera, sua excelência viria logo que possível pois já perguntara por sua senhoria uma vez ou duas.

Entrou, não se sentando logo e preferindo ficar em pé, lançando o canto do olho para o jornal desdobrado em cima da secretária e tentando pela última vez adivinhar o motivo da urgência, olhou, torceu o pescoço até conseguir ler a legenda da foto em primeiro plano franzindo o nariz inacreditavelmente surpreendido, que poderia ele ter a ver com Cagarin ? E repentinamente, esbaforido e agitado sua excelência entra, vindo de uma porta dissimulada, lateral, pela qual nem dera, estendendo-lhe pressurosa e afavelmente a mão.

- Sente-se senhor ministro, senhor embaixador, sente-se meu caro amigo, queira desculpar a urgência mas nestas coisas mais vale prevenir que remediar, vossa senhoria compreenderá e dar-me-á razão.

O senhor embaixador sentou-se, sorrindo, dando a entender claramente a sua excelência estar na disposição de o ouvir. Que os tempos iam difíceis, que aquele estava sendo um ano terrível para nós, não bastaria termos acorrido rapidamente e em força a Angola, nem eram as outras províncias o cerne do problema, era o mundo, era a ONU e eram sobretudo os portugueses, Portugal.

- O senhor embaixador articulará estratégias com o seu colega o senhor ministro do interior. Lá fora ou cá dentro pretendo que sejam sobejamente conhecidas as razões históricas e morais para aguentarmos firmemente as nossas possessões no ultramar. Caber-vos-á a vossas senhorias planearem e porem em acção os mecanismos necessários, diria essenciais a que esta batalha psicológica e propagandística seja ganha. Morreram na Flandres milhares de homens para garantir a posse dessas nossas províncias ultramarinas, esses homens, esses patriotas, esses heróis foram sacrificados em nome da Pátria, não serei eu a carregar para a história o opróbrio de abrir mãos desses territórios cujo custo está escrito e consagrado a sangue no tratado de Versalhes, territórios onde aliás temos uma missão evangelizadora e civilizadora a cumprir. Todos nós sabemos não se encontrarem os indígenas das várias tribos em condições de assumirem a sua própria autonomia, seria um desastre, veja-se o que acontece aqui ao lado na Argélia, milhares e milhares de mortos, centenas de milhares. *

Depois, trocando as pernas e pausando para ganhar folego continuou:

- Ao aceitar este cargo jurei a mim mesmo não entregar ao meu sucessor nem um país mais pobre nem um país mais pequeno, quero honrar a passagem de testemunho, quero honrar o meu juramento, quero respeitar e honrar a confiança dos portugueses em mim, quero honrar este cargo, quero não ter que me envergonhar de mim mesmo. Não entregarei aos vindouros uma Pátria diminuída em relação à que me foi confiada.

- Certamente Senhor Presidente ! Com certeza Excelência ! O Senhor Presidente do Conselho saberá melhor que ninguém o que fazer ante tão grave situação. 

- Bem sei que por esse mundo fora todos descolonizaram e veja-se com que desastrosas consequências para ambas as partes foi feita essa descolonização. Hoje mesmo na ONU seremos alvo de ataques soezes mas, tal qual os nossos heróis caíram na Flandres para honrar a República e garantir a sua unicidade e inviolabilidade, também nós saberemos estar à altura daqueles que, pela perfídia das palavras tentam destruir os valores em que acreditamos e a unidade territorial que há quase quinhentos anos mantemos. Estamos sozinhos na ONU, mas estaremos firmes e orgulhosamente sós sempre que tal seja preferível a que estejamos mal acompanhados. Um dia a Nação, os portugueses, dar-me-ão razão. Obrigado senhor embaixador, ide em paz, ide com Deus, que o Senhor lhe conceda fazer bom uso da autoridade que a Nação lhe concedeu. E a família como está ? Adeus, ide, ide vossa senhoria, iremos falando.
  


·          https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Vag%C3%B4

·          https://www.publico.pt/temas/jornal/o-outro-lado--da-historia-do-assalto--ao-santa-maria-20226967

·          https://pt.wikipedia.org/wiki/Muro_de_Berlim

·          https://pt.wikipedia.org/wiki/Invas%C3%A3o_da_Ba%C3%ADa_dos_Porcos

·          https://pt.wikipedia.org/wiki/Corpo_Expedicion%C3%A1rio_Portugu%C3%AAs

·          https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_XIII_de_Espanha

·          https://pt.wikipedia.org/wiki/Iuri_Gagarin

·          https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Versalhes_(1919)

·          * http://www.dw.com/pt/1954-in%C3%ADcio-da-guerra-de-independ%C3%AAncia-da-arg%C3%A9lia/a-314126

http://ultramar.terraweb.biz/06livros_JoseBrandao.htm

* Mais de 250.000 mortos em sete anos, contra os 8.831 falecidos nas 3 frentes coloniais que mantivémos durante 13 anos.

NOTA: Este texto foi concebido e ficcionado com base na pesquisa efectuada para uma tese de doutoramento, que desenvolvo há algum tempo, e como tal beneficiou da pesquisa bibliográfica a que uma qualquer tese séria necessáriamente se obriga.