quinta-feira, 4 de agosto de 2016

372 - Tribute to Acácio Nobre, VEROSIMILHANÇAS

 “VEROSIMILHANÇAS” pintura de Humberto Baião - Évora 1999

A decisão fora por mim tomada algo solenemente há mais de trinta anos, provavelmente mais próximo dos quarenta que dos trinta, mestre Paulino tentara diversas vezes inocular em mim o bichinho da pintura e, gaiato ainda, quer mestre Cachatra quer mestre Palolo me haviam pedido por mais que uma vez, fosse ali ao Nazarett numa corrida comprar-lhes guaches, bisnagas, aguarelas, cervejas, óleos, acrílicos, garrafas de vinho de Borba, de Redondo e de Reguengos, pincéis, telas ou papel. Até o senhor Amado no seu ar seguro, peremptório e doutoral me afirmara por mais que uma vez:

- Não tens nada a perder Humberto, quem sabe se tens vocação !

Portanto, submetido a tanto convívio com os mestres e a tanto estímulo bem-intencionado sucumbi, jurei a mim mesmo que o havia de fazer, isto é pintar um quadro, ou no mínimo tentar, escolhido que fosse o tema e bem definidas a conjectura, a amálgama de cores, a textura da pincelada, muito especialmente o jogo de sombras e uma cuidada atenção ao trabalhar a luz do dito cujo.

Independentemente do motivo queria-o ou imaginava-o, isto é concebia-o mentalmente para que, se vinda num repente a inspiração, não me apanhasse desprevenido, essencialmente era essa a essência da coisa, havia que captá-la e fixá-la, se necessário com empatia, pelo que inspirei fundo e me abandonei aos mais intrínsecos pensamentos de um modo compenetrado.

Anos mais tarde ao contemplar casualmente as obras da colecção privada de Acácio Nobre* pressenti um forte e indelével impacto, embora o não tivesse sentido. Falando dum modo mais especifico fora provocado pela tela que lá me levara, uma obra com sete metros de comprimento por quatro e meio de altura, pintada exclusivamente do lado esquerdo, representando uma figura humana, mais concretamente uma mulher saindo duma porta de uma casa com dois andares que não se vêem, mulher que igualmente não vimos por já ter saído, mas cujo perfume paira ainda no ar deixando atrás de si uma improvável atmosfera cujas vibrações ainda sinto pois que, como é uso acontecer com os quadros de Acácio Nobre, alteram infalivelmente quer a densidade quer a dinâmica do ar envolvente.


“VEROSIMILHANÇAS” pintura de Humberto Baião - Évora 1999

A minha aposta no eclectismo e heterogeneidade dos padrões que me identificariam futuramente não radicou exclusivamente na simpatia que a persistência das imagens dos quadros que Acácio Nobre não pintou nos causam a todos. Na realidade Acácio Nobre foi um expressionista pioneiro cujo surrealismo ainda hoje nos impressiona, sendo aí que nasce a simpatia que por ele nutro, simpatia que me não canso de propagandear, já que ele foi para mim o único até hoje capaz de tornar o impossível possível e cujas obras (e espólio, hoje felizmente classificado e numerado) testemunham o rigor e o alcance das suas vanguardistas ideias, caso muito particular das que nunca foram sequer públicamente apresentadas.

Foi portanto sob a sua alçada, protecção ou inspiração que me acomodei durante todos estes anos de introspecção e afã, dedicados à imaginação, concepção, definição, conjectura, tema, cores e essência do quadro que ora vos apresento ou deixo à apreciação, sendo este meu labor que entrego nas vossas mãos para observação crítica e que mui sensatamente intitulei “Verosimilhanças”.

Espero sinceramente que apreciem e fruam o resultado deste meu incomparável e inimitável trabalho, cujo mérito, se outro não tivesse, seria o de, em respeito à memória de Acácio Nobre, testemunhar o esforço no sentido de o homenagear do modo que ele mais valoraria, tentando a concretização do impossível.

Nem por um momento sequer esqueci a máxima desse mestre, para quem a “arte é a nossa necessidade de abstracção, o nosso fascínio pelo impossível e motor da transformação da visibilidade… a união do conhecido e do desconhecido através do desenho… para quem as palavras são insuficientes, só o desenho as podendo completar.”

Exposta esta tão clara quanto simples questão vou ficar-me por aqui, deixo-vos todo o tempo do mundo para que possais apreciar e julgar a minha obra, por ora irei calar-me e recolher-me, sei bem quanto as massas me amarguram, gostam de máximas mas não gostam de filosofias.

“VEROSIMILHANÇAS” pintura de Humberto Baião - Évora 1999

* Colecção privada de Acácio Nobre, de Patrícia Portela, 156