quinta-feira, 22 de setembro de 2016

382 - O ESTRANHO E EXTRAORDINÁRIO USUAL


Esta história que hoje vos conto nem é ficção, é verídica, se bem que salpicada de sal para vos proporcionar uma mais agradável comichão no palato. Como terão oportunidade de aferir, há mais marés que marinheiros, nem eu imaginaria que no mesmo mês em que me fizeram passar as passinhas do Algarve me desforraria a bandeiras despregadas… Será caso para dizer que cá se fazem cá se pagam.

Mais vale tarde que nunca é bem verdade, mas tão cedo nem o calor da vingança se dissipará das vossas mentes sanguinárias, sempre esperando de garras afiadas as historietas que tenho para vos contar. Esta conta-se em poucas palavras, é hilariante pelo ridículo de que cobre os protagonistas, e metáfora das cabecinhas pensadoras em cujas mãos entregaram há muito este país de provincianos.

Num sábado não muito recente, talvez há quatro ou cinco anos e mais concretamente num dia 11 de Julho, este vosso amigo engalanou-se que nem um pavão para ir comer uma sardinhada a uma cidadezinha perto, a convite do moto-clube local, convite recebido pelo Facebook. Fato e capacete à maneira, bota de ferro por causa das curvas e das rectas, óculo de sol p’ra cortar o vento, só o cabelo esquecera pintar tuti-color como era meu habito… Rumei à vila, ou aldeia, nem sei que vos diga, e lá entrado logo deparei com inusual movimento de motards, a maioria de cabedal e capacete integral, e apesar de ter chegado bem cedo eles eram já muitos.
 
Percorri ruas e ruelas em busca do CBD, até que me deparei com o que vim a saber ser a Praça da República, que mais me pareceu o 5 de Outubro, tal o movimento de peões que àquela hora apresentava. Uma passadeira com mais de cinquenta metros atravessava-a lado a lado. Eu ia quase parado, com tanta gente passeando por ali nem poderia ter sido de outro modo, talvez eu circulasse a cinco à hora, os pés a rojar o chão, pois a tal velocidade é impossível manter a mota em equilíbrio sem a ajuda das “ botas de ferro “ a fazerem de tripé… ou quadripé… Alarguei os olhos uns vinte metros para cada lado da passadeira, mantive a velocidade que trazia, menos que essa só parado, e avancei atravessando-a para parar, mais à frente, frente a uma formosa pastelaria, famosa pelos seus bolinhos pequeninos e gostosos, que nem fazem mal à dieta nem à psico, isto é nem deixam arrependimento nem peso na consciência…

Entrei, bebi um café, dei dois dedos de conversa com um amigo que há muito não via e, mal saí, um apito da autoridade policial logo me fez pensar que estacionara precisamente em cima dos riscos assinalando o espaço para cargas e descargas, e que eu nem sequer vira… Cumpri, fui junto da autoridade demandando salvatério pelo lapso e admitindo a culpa… Mas não, nada disso me esperava, o que me esperava, espantem-se, era uma acusação de atravessamento da passadeira dos peões em velocidade excessiva !  Excessiva e agravada com desrespeito pelos peões, e, pasme-se ! Não visualizada, isto é não presenciada por qualquer policia, mas baseada numa denúncia ! Sim ! Falo-vos verdade ! Não acreditam ? Pois acreditem ! Pretenderam multar-me devido a uma delação ! Eu nem queria acreditar ! Defendi-me e argumentei como pude, fiz ver o ridículo da situação e o regresso aos tempos da PIDE e dos “ bufos “ mas nada demoveu os senhores Feliz e senhor Contente, cada vez mais teimando absurda e prepotentemente no que eu já considerava uma situação abusiva dos meus direitos de cidadão e em que somente uma vez, numa tourada em Cóias, ou Coina, me vira tão igual e estupidamente tratado. 


Fui reclamando à medida da injusta imposição das suas prepotências, a tal ponto que, certamente desejosos de me “apertarem” mandaram vir da central uma colega com um estojo para que eu soprasse o balão, operação que deu zero, pois que a acusar algo, teriam que ter-me deixado em primeiro lugar comer a sardinhada que me levara ali. O zénite da coisa deu-se quando um dos agentes preencheu a terceira ou quarta folha do livro de multas com ajuda via rádio de um colega na central, até aí eu recusara-me a assinar todas elas, pois umas não discriminavam a hora da infracção e da autuação, entre as quais mediavam quase duas horas… outra porque não referia estar eu a ser alvo de mera denúncia não flagrantemente presenciada pela autoridade, noutra recusavam apontar o denunciante, ou nada diziam acerca do facto de eu envergar um capacete integral facto que durante a ocorrência poderia contribuir para ter sido facilmente confundido com um qualquer outro eventual e verdadeiro prevaricador, é que nestas coisas das leis e do direito o que conta são os factos, enfim, uma lástima de actuação e exemplo das autoridades digno de nota e nota dó…

Já farto da situação e vendo não atarem nem desatarem arrisquei e pus termo ao degradante espectáculo dizendo aos senhores agentes que se desejassem me prendessem, e ofereci-lhes os pulsos bem a jeito de lhes ser facilitada a colocação de uma algemas, tendo-lhes afirmado ao mesmo tempo ser o vagar coisa que me sobrava, ser fim-de-semana e andar em turismo, pelo que, prepotência por prepotência, o mais tardar na segunda-feira um juiz decerto ouviria as minhas razões. Resmungaram, que esperasse a multa em casa ida pelo correio, e foram desandando de mãos atrás das costas agitando o molhe das chaves e o apito. Eu nem o papel da dita multa assinara ou aceitara, pelo que arrisquei virar-lhes as costas e fazer-me à vida…

À vida e à esquadra, pronto a apresentar queixa da prepotência de que fora alvo, do que fui demovido pelo agente de serviço que me aconselhou a contestar a multa no prazo uma vez recebida via CTT, visto que os agentes não eram por mim acusados de má educação ou violência, e não eram, eram-no apenas de abuso de autoridade e de prepotência… mas enfim… agradeci-lhe, virei as costas, já não fui à sardinhada por me ter passado a vontade, duas horas de tortura quebram o mais forte… jurei a mim mesmo não voltar a fazer turismo naquela triste terra nos próximos duzentos anos e acelerei quanto pude até casa para queimar a raiva que me consumia, mas atenção, tudo dentro dos limites legais, não vá alguém querer multar-me por confessar aqui excesso de velocidade…

“Não perderam pela demora” assim reza outro velho aforismo popular e, ainda antes do fim desse mês de Julho, quando em todo o país as autoridades eram instruídas para poupar, para não fazer giros diários superiores a trinta quilómetros, diminuindo e fazendo perigar a segurança dos cidadãos, eis que a esquadra da dita terrinha ou alguém que dela fazia parte organizou uma matança alentejana, (desconheço se obedecendo às imposições da ASAE), precisamente no último fim-de-semana desse mês e, nadando em dinheiro ou autoridade, envia a Évora propositadamente em serviço de “táxi”, ida e volta, uma viatura da esquadra, paga por mim e por si que me está lendo, ambos contribuintes sem obrigação de suportar os devaneios deste ou destes agentes, que foram a casa buscar e depois devolver um excelente magarefe, reformado da Manutenção Militar e homem de muitos pergaminhos nesta área, que passa os dias a matar e esquartejar carcaças, e com nome conhecido e afamado na praça de Évora.

Ora quem não tem dinheiro não deve ter vícios.

E eu não estou a bufar, estou a comentar e dar testemunho de uma situação caricata mas verídica, extraordinária mas usual entre nós, pois entendo que a “quem do seu for mau despenseiro, não devo fiar o meu dinheiro” … E tu que achas meu amigo ?

Aches o que achares, a verdade é que seja Verão seja Inverno, quando se declara uma guerra, nos devemos lembrar alargar o Diabo o Inferno…

              Ah ! A multa ?? Ainda estou esperando que chegue...