terça-feira, 21 de março de 2017

422- NOS BRAÇOS DE DAMIÃO COSME.................


O que é e que força tem um braço, ou um de ferro, digo um braço de ferro, ou um abraço, que tamanho, que alcance ? Fiquei matutando nisto depois da Moura, rindo, ter dito darem os meus braços quase  duas voltas em seu redor. O efeito desses abraços já o sei, ela faz-se pequenina, encolhe-se, de modo que o meu amplexo quase a submerge. Magrinha, pequenina, fazendo-se leve levezinha, sente-se segura na minha conchinha diz ela, e raro será não a levar nos braços quando tal acontece, depois, na cama larga, mete o nariz debaixo do meu sovaco ou no meu pescoço e, fechando os olhos esconde-se.

Ficara alegre quando a deixei ao sol na varanda, com a Cuca  lambendo-se junto aos vasos de Physalis, Uva Crisp, framboesas e morangueiros, as suas últimas coqueluches. Ela ao sol e eu fugindo dele, mudei-me para o lado direito da fila de bancos onde o sol não castigava inda que fosse cedo. A viagem até ao sul demoraria umas três horas, ou mais, tempo suficiente para ficar esturrado caso não me acautelasse. Ali ia eu embalado pelo doce balanço da carruagem, o comboio já não cantava pouca-terra- pouca-terra- pouca-terra, nem acusava o toque-toque do passar dos carris, pois não se ouvia, mas o balanço ficara, seria por isso que lhe chamavam pendular ? Fosse ou não por isso eu resistia ao balançar e à sonolência, olhos fechados, pernas esticadas, a mente agarrada à admiração da Moura pela extensão dos meus braços, pela extensão ou pelo aconchego, curioso é também o limite onde com ela chego, quase quase no limits.

Campos, vacas, ovelhas, cabras, um cão e um pastor, um pastor chamado David, reza a história ter dado uma coça num tal Golias, um grandalhão, uma coça é como quem diz, foi mais uma chapada psicológica, com mão, chegou-lhe as mãos à cara digo eu, porque segundo parece foi o braço que lhe valeu, o braço, um braço comprido, a funda e uma pedra com a qual segundo testemunhos lhe vazou um olho, seria no meio da testa, teria sido, seria o gigante um ciclope ? O certo é que o grandalhão tombou, grandes braços devia ter aquele David, e fortes.

Sim, que isto da força com que a pedra é arremessada depende muito dela, do seu peso, mais que da sua forma, do comprimento da funda e naturalmente do comprimento do braço, alavanca e fulcro, lembram-se ? A força que a funda aproveita é a mesma que afasta os planetas que o sol segura e Newton explicou, simplesmente física aplicada, física e pontaria, treino, a funda tornada uma simples extensão do braço, quão extenso ? Vinte, trinta metros, menos ? De qualquer modo mais que a lança do homem pré-histórico que teria no máximo dois metros, dois e meio, inda assim melhor que somente o braço, um metro o braço não ?

Melhor que a descoberta, aproveitamento ou invenção do fogo pelo homem de Neandertal foi a invenção do arco e da flecha, que alcance tem um braço armado com um arco, alcance útil, certeiro, que abata uma fera, um animal, uma ave, quinze metros ? Não seria mau não, talvez as próteses para o braço tenham começado por aí, pela lança, pela funda, pelo arco e flecha, depois a cana de pesca, a besta, a catapulta, a espada, menor distância mas mais prática, mais eficiente em determinados cenários, tão eficiente que os romanos a encurtaram, tornaram bastante curto o gládio, mais manobrável, mais mortífero, mais eficiente, mais apropriado, permitindo um melhor desempenho, incutindo maior despacho à empreitada.

Abraçada a mim como costuma abraçar-me nunca eu seria capaz de atingir a Moura com uma lança, muito menos com uma flecha, dificilmente com uma espada, mas com um gládio seria trigo limpo, era só puxar a culatra atrás, perdão o braço, recuar o cotovelo e apontar-lho, o gládio, avançá-lo e senti-lo entrando-lhe pelas entranhas, pelo ventre macio, mole, não tem barriga a Moura, Deus me perdoe, olha para o que me deu o sono, trespassar a Moura, não que nunca a tenha trespassado, mas noutros sonhos, noutras aventuras, adoro aquela miúda, magrinha, pequenina, levezinha.

É curioso, agora que penso nisto concluo que toda a nossa evolução mais não tem sido que um esforço enorme em estender o braço, em chegar mais longe, chegar onde os outros não cheguem, o longo braço da lei, o braço da morte, o braço do terrorismo, até do terrorismo de estado, a verdade é que quanto mais longo o braço mais gente morre, mais gente morta, mais e mais depressa, mais eficientemente, com maior rentabilidade, rendibilidade, no fundo trata-se de ser ou não ser competitivo e de fazer render o braço, o comprimento do braço.

Os meus braços são mais curtos mas chegam onde chegam os teus, sussurra-me por vezes a Moura encavalitada em mim, abraçada a mim, o peito pressionando-me as costas, aquecendo-me, mimando-me, depois na ponta do braço a mão percorrendo-me, agarrando-me e reinando comigo, pouca-terra- pouca-terra- pouca-terra, como se tivesse na mão um brinquedo, um comboio a vapor, até lhe sentir o xxxxxxsssssss, como se uma válvula libertando a pressão, expelindo vapor, soprando, apitando, ela rindo, eu doida, doidinha, sim, os braços dela chegam onde chegam os meus, os braços e as mãos, compridas, espalmadas, magras, de unhas cuidadas, umas vezes encarnadas outras vermelhas.

O braço da justiça, o braço da Moura, o braço do amor, o barco do amor, bem e depois, depois da alabarda seguiu-se a pólvora, o mosquete, o canhão, o fuzil, o rifle, a carabina, a metralhadora, o revólver, a pistola, e a tudo isto meteram rodas, ou asas, ou meteram tudo isto num barco, num submarino, Neil Armstrong (Nelo Braçoscompridos) o primeiro homem na lua, o comprido braço da ciência empunhando um V1, ou V2, e Titans, e Saturnos, o meu braço é maior que o teu, mas eu mijo mais longe, e eu mais alto, isto enquanto outros simplesmente se mijam, ou se fodem.

Coimbra, este comboio descendente já deve ir a meio da jornada, jornada ou caminhada, é relativo, tudo é relativo pois foi isso mesmo que disse Einstein, e dispensou os Armstrongs, mas não os V1 nem os V2, nem os Titans, nem os Saturnos, nem a balística, não lhes deu asas mas deu-lhes átomos, átomos e núcleos, neutrões, neutrinos, protões, positrões, tudo capaz de nos apertar os colhões em segundos, e agora  ? Agora ou sim ou sopas, dez marcas de tabaco em trinta segundos, quem diz marcas de tabaco diz de automóveis, ou de cervejas, estamos agarrados pelos tomates, não abraçados nem mimados, mas fodidos percebem ?

Entroncamento, dois terços do caminho feitos, percorridos, andados, entroncamento, cruzamento, púbis, umbigo, adoro beijá-la no ventre, liso, a pele macia, fofinha, cheirosinha, primavera, maçãs verdes, flores, lindos campos, sol, tulipas, lírios, tulipas não, tulipas são as que ela gosta ter à cabeceira numa jarra, numa floreira, à mão, para me oferecer quand je arrive, quando me abraça, e só larga ao despir-se, despe-se sempre com pressa, a correr, como se os dias, e os braços, tivessem fim…

Aproximamo-nos da Funcheira, o comboio soluça e pára num estertor, olho pela janela os campos reverberando, resplandecentes, a uma sombra dois cavalos, uma charrete, alguém segura um pano, um panejão onde se lê “Damião Cosme”, sou eu, esperam-me, óptimo, uma rodada de abraços e pomo-nos a caminho, chegarei a tempo de jantar.