quarta-feira, 14 de junho de 2017

439 - UMA TRANCADINHA EM TRANCOSO ...


“Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida e sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos duma criança” lá lá lá lá li…

Tal qual a vida de cada um de nós, a história, que afinal mais não é que a história das nossas vidas colectivas, tem pormenores que muitas vezes nos escapam mas que não deixam de nos alegrar, apimentar o quotidiano e trazer ao nosso mundo contemporãneo um pouco do humor e da sátira que Gil Vicente não teria desdenhado. 

Um dia destes, mor de um trabalho que ando a desenvolver, a pesquisa levou-me a D. Dinis, um dos nossos primeiros reis, o do pinhal de Leiria, esse mesmo, que antanho serviu para as naus e hoje sustem ainda as areias e serve de refugio a muito boa gente que o aproveita para ali dar a sua escapadinha, ou, na gíria popular, dar uma trancadinha, uma trancada, a graduação já dependerá da sensibilidade de cada um e não me meto por essa vereda... 

Até por quem diz uma diz várias, que isto das trancadinhas é como as cerejas, e quem come uma come um cesto, ou um cento, nunca se fica por ali, quer-se sempre mais sendo como as conversas agradáveis que nunca se acabam seguindo-se umas atrás das outras, as conversas ou as cerejas, não as trancadas, não haveria quem aguentasse, só alguém mui duro de cabeça, pois, isso …

Mas ia eu dizendo que esbarrei com D. Dinis, o Lavrador (1261-1325) não o Dinis dos botões, um dos monarcas mais importantes da nossa história e um homem culto e letrado que deixou uma marca indelével nos mais variados campos, conhecem-se-lhe 137 poemas, 73 cantigas de amor, 51 cantigas de amigo e 10 cantigas de escárnio e maldizer, mas ia eu dizendo quão este rei me surpreendeu, em especial por ter desposado a mui requestada Isabel de Aragão que, entre pretendentes franceses e ingleses, nobres e príncipes, escolheu o nosso bom Dinis, que além de príncipe e nobre já era rei, e como mais vale sê-lo que parecê-lo a bela Isabel de Aragão, sim essa que a nossa Isabel Stilwell tem historiado, e bem, ou não é assim Rosinha ? Não quero que a minha amiga Rosinha, que anda com o livro da Stilwell ao peito, vá entender mal este meu arrazoado.


Na pressa de consumarem o casamento D. Dinis e Isabel casaram-se por procuração, ele cá ela em Barcelona, tendo a Isabelinha dado corda aos sapatos e apressado a vinda. El-Rei esperava-a em Trancoso, sendo precisamente aí que parei a investigação por a coisa ter ficado nebulosa, uns historiadores nada mais adiantam, outros não têm pejo em afirmar ter sido o casório consumado logo ali em Trancoso, dada a impetuosidade, a paixão, a saudade e o desejo dos jovens nubentes, ele na força dos seus dezassete anos e farto de aias, damas de corte, cortesãs, barregãs, cozinheiras, costureiras, moças de copa, de estrebaria e engomadeiras certamente, a este propósito terei que ir pesquisar a fim de saber desde quando se dá ao ferro e quem o inventou, isto digo-o eu, nenhum historiador cita estes factos mais que prováveis, confesso, eu também me perco por engomadeiras, é-me difícil vê-las ali a dar a dar sem lhe desligar o fio da corrente ou pontapear a extensão e apagar-lhe a luz, mas voltemos ao que interessa, à vaca fria que é como quem diz à bela Isabel de Aragão, apanhada em Trancoso e secalhando logo ali trancada a fim de evitar olhares indiscretos e toma lá disto ó Evaristo que nessa altura não havia pruridos nem contemplações, portanto nem haviam de ser os doze aninhos da nossa Isabelinha de Aragão que evitariam as trancadas reais que decerto terá levado em Trancoso, embora a história não confirme nem desminta e mor das vezes seja omissa quanto a assunto tão melindroso. 

Verdade verdadinha é que a ditosa rainha nos deu dois rebentos, Afonso e Constança, sendo ela mesma mui apreciada em Coimbra, ali se conta ter acontecido o milagre das rosas, igualmente a apreciam em Estremoz, onde pontifica uma bela pousada com o seu nome, ideal para escapadinhas e quiçá para trancadinhas.

Esta moda das trancadinha, que quanto a mim só pode ter começado em Trancoso, não foi invenção cá do rapaz, pois um dos historiadores, não lembro já qual deles nem tal interessa, desenvolveu a partir de palavras atribuídas à rainha um pensamento ou uma associação de ideias idêntica e em relação à cidade de Odivelas, onde, segundo Isabel de Aragão e a história afirmam ter sido lugar privilegiado para D. Dinis dar as suas escapadelas e trancadas, no caso trancadas pois está envolvida uma figura real e trancadinha ficaria mal nesta história, além de diminuir o personagem.
               
                - Ide vê-las senhor, ide vê-las !!

desabafaria para o seu senhor sempre que estava com os azeites a Rainha Santa, e do ide vê-las a ódi vê-las e a Odivelas é um estalar de língua que a corruptela e a populaça adoram, como adora as gargalhadas histéricas da Cristina Ferreira, ou as mamas que, garantiu ela aos mídia, são totalmente suas, suas dela, o que deixa supor não haver ali silicone, ou a haver, estará pago. Mais paciência que D. Dinis tem o Goucha… Aposto que D. Dinis, o tal que escreveu bué de choses, poemas, cantigas de amor, cantigas de amigo e cantigas de escárnio e maldizer não lhe perdoaria umas trancadas.

Mas deixai que me concentre no meu trabalho, estou a atrasar-me e quer Gonçalo Eanes quer Pêro de Évora e Pêro da Covilhã não merecem que os olvide nem tão pouco a desatenção que estou a devotar-lhes…
  


POEMA D’EL-REI D. DINIS
….

O que vos nunca cuidei a dizer,
com gram coita, senhora, vo-lo direi,
porque me vejo já por vós morrer;
ca sabedes que nunca vos falei
de como me matava voss'amor;
sabe Deus bem que doutra senhora nom,
que eu nom havia, e por mi vos chamei.