terça-feira, 8 de maio de 2012

118 - VAI, NÃO TEMAS…



Olá Cris, muito bom dia amiga.

Imagino-te já trabalhando. O tempo correrá a partir de agora, tão depressa como água em mangueira esquecida e aberta no jardim.

Queria dizer-te que tenhas calma, que a calma é meio caminho andado para que não percamos o controle sobre o pensamento, a memória, as atitudes e acções e a vontade.

Não acompanhei senão marginalmente o teu esforço, que como sabes elogio e acarinho, contudo creio que, mau grado o pouco tempo à tua disposição, te aplicaste afincadamente no estudo daquilo que abraçaste e que, não sendo matéria fácil, também não é um monstro de sete cabeças e te dará, no futuro, uma invulgar satisfação.

Não te condenes, não valerá a pena caso nem tudo te corra pelo melhor. A vida tem tantos imponderáveis quanta água tem o mar. Ficará para o ano, e tu então, com mais tempo para te preparares.

Creio no entanto que, a julgar pelas duas ou três questões que me colocaste, estarás minimamente capacitada e sobretudo motivada para que daqui a dois meses te submetas á prova capital.

Creio que superarás essa meta, é forçoso que acredites em ti, é forçoso que a tua auto-estima, auto-confiança e o teu ego confiem em ti.

Serás capaz claro, coisas bem mais difíceis já tu ultrapassaste e não morreste por isso. Muito menos se te opõe agora.

Não esqueças o que uma vez te disse, é extremamente importante na história a capacidade de a ver as perspectivas quer em sincronia quer em diacronia. Poderás não lembrar quando a corte se refugiou no Brasil, mas basta que lembres nada acontecer por acaso, tudo funcionar em cadeia, para que a memória recupere aquilo que parecia esquecido.

- Quando foram as invasões francesas ?

Não lembro…

- De que fugia a corte ?

Não lembro…

Já está !

Já recordo isso !

Eureka ! A corte fugia dos franceses !

- Vês como é fácil ?

- Vês a razão pela qual acredito em ti ?

- Vês porque confio que esse apelido Baião vencerá mais uma prova?

Acredita que és capaz, e até os nervos, o tal nervosismo miudinho de que te queixas e tantas vezes nos ataca terá imenso medo de ti !

O que não lembrares, passa adiante, deixa para o fim, o que souberes, espeta logo no papel, e não sejas avara com as palavras, nem poucas, para que não fique nada por dizer e pensem que não sabes, nem muitas que é para não correres o risco de falar demasiado e meteres os pés pelas mãos.

Falo-te com experiência, já cometi asneiras dessas, espero que as possas evitar.

Só me resta desejar-te sorte, a sorte protege os audazes como saberás, que tudo te corra pelo melhor são os meus sinceros votos.

A ti deves o que sabes, a mim não deves nada, absolutamente nada, pelo que quando lá sentada, conta somente contigo, e creio já não ser pouco.

Algum dia, em calhando, ou “secalhando” nos veremos por aí, e espero que possamos então rir do esforço que agora te preocupa certamente tanto.

Adeus prima Cris, sorte e um jinho.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

117 - UMA LÁGRIMA DE LAURA…



Enquanto olhavam as fotografias davam risinhos, abafados, sustidos, como se não desejassem por nada deste mundo ser alvo de observação galhofeira, reinação.

Falavam baixo, e quando mutuamente se dirigiam, olhavam-se ternamente nos olhos, falavam doce, docemente, quase num sussurro, e o seu diálogo era mais adivinhado que ouvido, sensibilizava mais que suscitava curiosidade, e as suas expressões, reflectindo embora uma grande confiança na relação, certamente já antiga, mostravam um ar contrito contrastante com o que daquela cena se esperaria.

Pelo menos assim julguei o que via, mas juízos e julgamentos quantas vezes os fazemos precipitados não é ?

“…que o mundo não faça sentido, contesto, o mundo sempre foi assim, ingrato e incompreensível, tu é que não tinhas dado por isso, portanto, o mundo está certo, e tu errada, tens que mudar, até porque não conseguirias mudar o mundo querida…”.

Apercebi-me que, quem de costas para mim e a quem revolviam ternamente os cabelos se chamava Laura, foi a ela que vi puxar de um lencinho bordado guardado na manga, com o qual limpou levemente uma lágrima.

Não posso afirmá-lo à distância a que me encontrava mas, logo lembrei minha avó Ofélia que se entretinha, e entreteve anos e anos, bordando monogramas em lencinhos que dava a todas as netas e netos, numa prova de amor, carinho e dedicação que nos fazia sentir perdoados de todos os males e pecados.

“… mas quem te disse que não faço uma pequena ideia do que te vai na alma ? Aí estás enganada Laura ! Como fazê-lo, uma e outra vez e afirmares que seja por acaso ? Algo há neste oráculo improvisado que sou, tu própria o admites…”

E recordo-te avozinha, quando, ausente de mim, me recolhia no teu colo, eu já grande e pesado, buscando explicação para os vazios sentidos e que de quando em vez me sobressaltavam a existência, sobretudo quanto mais preenchida a pressentia e quando tal sensação de vazio menos esperaria.

Também tu avó Ofélia me acariciavas os cabelos, acarinhavas, sussurravas estórias de encantar aos ouvidos se, deitado sobre o teu regaço preto, cheirando a fumo de lareira, te escutava.

Tal efeito em mim tiveram essas sussurradas estórias que, hoje, homem maduro, e sem que possa contar já com esse colo, me basta o cheiro da fumaça para que a lembre e me acalme, paulatinamente, da sofreguidão exuberante para onde, mesmo em dias de bonança sou violentamente atirado.

E tanto te devo avó Ofélia ! Quanta força e confiança me deste ! E tantos amigos afirmando desejarem ter vinte anos e saberem o que sabem hoje, mas não eu, que cada um dos momentos da minha vida julguei ser o melhor e sempre me enganei, o que estava vivendo e os que estavam para vir foram sempre melhores, como agora, que me sinto no auge da vida e da satisfação, e por isso avó, crê que somente por isso, me acreditam convencido, exuberante, atrevido, e sei lá mais o quê, nada me interessa, nem que me chamem maricas, sejam felizes ! Eu sou-o ! Sou feliz ! Sou convicto ! Isso sim e tanto !

E tantas saudades tuas avó ! Quanto os teus sussurros me tornaram forte, quem imaginaria ! Tu me ensinaste; nada temer, tudo enfrentar.

Talvez seja dos poucos, ou o único, a colocar como que num edital o que me vai na alma, e o que penso ir na alma dos outros, e acredita-me avozinha ! São exercícios de introspecção e exorção fantástico para os meus demónios !

“… mas tirando o que disse, deixa-me que te diga, já me sinto melhor, ouvir as tuas sábias palavras foi um excelente antídoto Teresa…”

Ela envolveu-lhe os ombros num abraço romântico, ouvi, baixinho, entrecortada, esta frase apaziguadora e simultaneamente agradecida;

depois pergunto-me... porque me compreendes tão bem… como facilmente me percebes e me respondes de forma tão especial... dás-me colo sem te aperceberes, do quanto me embalas... “

“…ora diz-me lá se não há certamente muito que falar com uma Laura tão contentinha e feliz mas a desfazer-se pela base, algo não está bem não !

Conheço essa sensação… tanta gente a cala ! Mais que possas imaginar Laura…!”

Levantaram-se, deixaram umas moedas sobre a mesa e abraçadas, como sempre estiveram e julgo sempre estarão, num passinho lento se afastaram, as duas, Laura volvendo ao lencinho bordado, limpando outra lágrima, talvez aparando o pingo do nariz, não sei, não vi, não posso afirmá-lo à distância a que me encontrava.