quarta-feira, 2 de agosto de 2017

450 - CIGANOS, CRUZADAS, RENASCIMENTO, EXPERIMENTALISMO, ILUMINISMO E RSI ...........




Muito se tem falado ultimamente em ciganos e RSI, mas pouco se tem adiantado quer acerca de um termo quer do outro, quando afinal e curiosamente esta coisa do RSI remonta ao ano mil e à época das cruzadas, embora pouca gente lembre ou relacione tal. O que comummente é lembrado é o pedido de ajuda de El-Rei D. Afonso Henriques aos cruzados descendo a costa em direcção à Terra Santa, para o ajudarem a combater o infiel conquistando-lhe Lisboa, pois os mouros encontravam-se mesmo ali à mão de semear, ajuda que não negaram. Lisboa foi conquistada a 21 de Outubro de 1147,  tinha o reino de Portucale quatro aninhos.

Esta foi a primeira cruzada da nossa história, mas não foi a primeira da Europa, cujos senhores feudais arrebanharam os seus exércitos privados e os servos da gleba, formando verdadeiros movimentos militares, quais hooligans de inspiração cristã partindo rumo à Terra Santa e a Jerusalém com o fito de a conquistar, e naturalmente saquear, ocupar, escravizar e sugar, mantendo-a sob domínio cristão enquanto Deus na sua imensa omnisciência o permitisse.


As primeiras cruzadas foram chamadas de "invasões francas" porque eram verdadeiras invasões, e porque os cruzados provinham originalmente do Império Carolíngio e se autodenominavam francos (do reino Franco, quase a actual França), numa época em que a Palestina estava sob controlo do rico Sultanato de Rum, portanto um impenitente infiel. Nada nos deve em consciência admirar que a Ordem de São João de Jerusalém (Hospitalários) e dos Cavaleiros Templários tenham sido criadas durante as Cruzadas. 


Estas ordens e cruzadas foram inicialmente julgadas ligeira e acriticamente um movimento, uma guerra religiosa ou mesmo uma ideia política ou moral, e para as descrever os poderes instalados na Europa geralmente socorriam-se de expressões como "peregrinação" e "guerra santa" pois Cruzadas eram também peregrinação, forma de pagamento de promessas, forma de pedir a Deus alguma graça, alguma indulgência, e os sacrifícios a que obrigavam poderiam no extremo ser considerados uma penitência e trocados por favores celestiais após a morte.


No fundo tudo isto não passava de esfarrapadas desculpas para o saque generalizado e violência gratuita, mas Deus mandava e portanto Ele lá saberia, tendo-se chegado ao cúmulo dos seus participantes serem e se considerarem soldados de Cristo, sendo mesmo distinguidos pela cruz ostentada nas roupas.
     
                                                                               


Verdade verdade é que as Cruzadas contribuíram muito para o comércio com o Oriente, e quem diz comércio diz intercâmbio, e quem diz intercâmbio diz arte e cultura, ciência, literatura, saberes, tradições, filosofias, sendo que nenhuma destas acções se processa unilateralmente, para haver interacção como sabem são precisos pelo menos dois, e porque em certas cousas um é pouco e três são demasiados, aconteceu que aqueles dois ou estes dois coiso e tal e tal e coiso, e coisaram, e para ser franco direi que alguns francos por lá ficaram, outros regressaram, mas francamente não podendo passar sem as suas Xerazades acabaram por trazê-las, a história não diz se pagaram franquia mas eram motivo de curiosidade em todas as feiras francas em que surgiam.


Ora ainda a propósito de cruzadas reza a história dessa época, caracterizada por fortíssimo misticismo, que é o mesmo que dizer uma infalível crença na comunicação entre o homem e a divindade, levando ao recolhimento e à vida contemplativa, a uma devoção exagerada e mercê da ignorância geral a forte tendência para acreditar no sobrenatural, factores que, aliados à crença corrente de que o fim dos tempos estaria próximo, conduziu por volta do ano mil a um intempestivo movimento popular, um acontecimento espontâneo que ficou conhecido como a Cruzada Popular, despoletada numa Europa medieval, miserável, prenhe de desigualdades e submissões, quase vivendo da escravatura, no mínimo no feudalismo, uma Europa faminta.


Essa cruzada popular, apelidada de Cruzada dos Mendigos, iniciada antes da Primeira Cruzada oficial, contribuiu para aumentar imenso o volume das peregrinações de cristãos rumo a Jerusalém e que, mercê da sua génese classista e popular reuniu uma horda de guerreiros, havendo entre a turba mulheres, velhos e crianças à frente de quem se encontrava o monge Pedro, o Eremita, que a todos arrastava graças a pregações comoventes e promessas de infindas riquezas e recursos financeiros. 


Na longa viagem até à Palestina estes cruzados buscaram e violentaram dentro da Europa os ricos considerados infiéis, os judeus, em especial os judeus mais ricos, os da Renânia, e inspirados p'lo tal Pedro o Eremita, liderando a trupe de maltrapilhos, matavam todos os judeus que se recusassem a abraçar a fé cristã, tendo assassinado ainda na Europa mais de cem mil judeus. O grupo prosseguiu atacando Worms, Judengasse, Colônia, Trier, Metz, Praga, Ratisbona, Oedenburg (atual Sopron), Belgrado, onde essa horda de cruzados pilhou a área rural e 150 deles morreram dessa vez num pequeno confronto com a população local. 


Contudo o sentimento anti-judeu espalhara-se entretanto pela França e Inglaterra e por todo o lado por onde idênticos bandos seguiram esse levantamento popular, autodesignados peregrinos por Cristo, após atravessarem em arrastão a Alemanha, a Hungria e a Bulgária, causando desordens e desacatos, acabando em parte aniquilados pelos búlgaros.


 Ao chegarem à cidade bizantina de Constantinopla e apesar das péssimas condições dessa cruzada, a turba, que se encontrava mal equipada e mal alimentada, não deixou todavia de a massacrar, pilhar e destruir, tendo saqueado a cidade a 1 de Agosto de 1096. 


Para afastar este "bando turbulento" de sua capital o imperador bizantino logrou obrigá-los a alojar-se fora de Constantinopla, perto da fronteira muçulmana, e incentivá-los a atacar os infiéis. Tal como o imperador esperava foi um desastre, e um alívio para ele, pois a Cruzada dos Mendigos chegara muito enfraquecida à Ásia Menor e foi arrasada pelos turcos. 


Somente um reduzido grupo desses perigosos indigentes conseguiu juntar-se posteriormente às cruzadas dos cavaleiros, esclareço, dos senhores feudais. Essa turba foi o primeiro exemplo histórico registado envolvendo desempregados, hooligans, famintos, presidiários, excomungados, condenados, ladrões, sacristãos, facínoras, indivíduos anti-sociais, desintegrados, adictos, delinquentes, refugiados, emigrados, pobreza extrema, fome e todos os itens necessários a fazer da Europa o barril explosivo em que ela durante bastante tempo esteve transformada.


Ora é fácil concluir que toda aquela gente ambicionava as riquezas que o médio oriente lhe prodigalizaria, ou melhor, talvez nem se tivessem arrastado até lá caso na Europa, na sua terra, tivessem encontrado um mínimo que lhes tivesse permitido enfrentar as adversidades com alguma solidariedade e capacidade. Aconteceu que não e ficaram na história como o primeiro arrastão, e que arrastão… Imaginem se por cá o Padre Melícias se pusesse a pregar e a mobilizar o pessoal contra as riquezas da igreja e da democracia... Ou ele ou o padre Mário, da Lixa... ***


Mas os séculos provaram contudo que ainda que caro esse embate que as cruzadas permitiram ou forçaram, esse encontro ainda que violento de duas civilizações, a europeia e a do islão, deu frutos. A longo tempo e a longo prazo constataram os europeus quão atrasados cultural e civilizacionalmente estavam em relação aos vencidos que pela força tinham subjugado. 


Tal qual acontecera com os Romanos em relação aos Gregos, viria a acontecer agora, os Europeus tomaram-se de brios e não quiseram cultural e cientificamente ficar atrás da civilização islâmica, que venceram mas com a qual muito aprenderam. Vai daí despoleta-se por todo o continente europeu a vergonha pelo atraso a par da vontade de desenterrar os clássicos que a igreja ao longo dos séculos mais enterrara que protegera. 


Aqui e ali timidamente primeiro e depois de modo generalizado assiste-se a um renascimento dos cânones clássicos greco-romanos e cá estamos onde vos queria, precisamente no Renascimento, cujo ideário renascentista, humanista e clássico o “homem vitruviano” do mestre Leonardo da Vinci tão bem sintetiza“.




     Renascimento e ou Renascença são referências ao tempo histórico europeu, nomeadamente entre fins do século XIII e o fim do século XVI, uma vez que em história se torna difícil balizar com exactidão determinados fenómenos sendo comum a sua coabitação, uns vão-se diluindo enquanto outros se vão afirmando emergindo, ou o contrário


Ora fora por esta época que tivera lugar a Quinta Cruzada, a última, 1217-1221, toda ela cheia de peripécias pré e post, pelo que como vemos as Cruzadas e as suas consequências e influências entraram pelo Renascimento como faca em manteiga, ou, para adequarmos o linguajar a esses tempos, como se escorregassem por toucinho barrando cuzinho de maometano.


O próprio método que nos níveis inferiores do ensino usamos para estudar a história não convida a relacionar nem interrelacionar acontecimentos nem influências mútuas, focamo-nos no chamado estudo factual, na cronologia do lugar ou do espaço, o chamado estudo diacrónico, das datas, dos acontecimentos, dos personagens, das batalhas, das vitórias, dos sucessos, quase reduzindo à inextência os percalços e descalabros, as derrotas e as perdas. 


O aparecimento da “Nova Historia” em 1970, sob impulsão de Jacques Le Goff e Pierre Nora, académicos franceses, (tal como acontecera em 1957-58 com a Nova Geografia)** trouxe uma nova visão da história,* comparada ou sincrónica, isto é em sincronia, em simultaneidade, comparando no mesmo momento o que se passava aqui e nos antípodas, sincronizado, é só meter a quinta e andar. 


Surgiram novos métodos e cuidadosos critérios para avaliar correlações e influências, novas exigências, permitindo a recolha de informação a partir de novas fontes e o avanço do conhecimento histórico, enfim, uma “Nova História” lançada na revista “Annales d'histoire économique et sociale” trazendo então a grande novidade de incorporação das Ciências Sociais na História. Os estudiosos contudo continuam terçando armas quanto às variações, por vezes consideráveis, nas datas dos grandes movimentos e tendências históricas, birrinhas de sábios, todavia nada com que a história se incomode ou a mude ...


 

Seja como for, os períodos marcados privilegiam as divisões históricas ao facilitar a sua demarcação e o seu estudo, diacrónico ou sincrónico, abrangendo as transformações e interinfluências em muitas áreas da vida humana cujas inter-relações acabam sendo estudadas profundamente. Ora só a história e nós ganhamos com isso. 


Outra divisão impossível de classificar com exactidão, até por não se ter processado simultaneamente em toda a Europa é a transição do feudalismo para o capitalismo, essa ruptura nas estruturas medievais, área por excelência onde ou em que o termo é sobretudo empregado para assinalar especialmente os efeitos nas artes, na filosofia e nas ciências, sim nas ciências, pois chegámos a outro entroncamento da nossa conversa e é tempo de derivar para o aproveitamento feito da ciência recuperada aos clássicos, em especial de Ptolomeu, o homem que os portugueses mais contrariaram, desmistificaram e desmentiram, mas desmentiram com factos e não com teorias metafisicas ou abstractas.


Foram os portugueses, mais que todo e qualquer outro povo, quem norteou as mudanças históricas em direcção a um ideal humanista e naturalista. Johannes Gutenberg é deste período, digo-o só para ajudar a que vos situeis no tempo cronológico. Portugal destacou-se pelo seu experimentalismo, experienciava as cousas, vivia-as, estimulava-as ou provocava-as com o intuito de conseguir um resultado. Aliás, sem essa iniciativa e experiência não teriam sido tão vastos os territórios descobertos e cartografados por e para Portugal.


Foi grandemente valorizada no Renascimento a experiência, e os inventos de Leonardo da Vinci são prova disso mesmo, pois a experiência e a observação foram o método da arte de marear, método estendido a todas as artes. A contínua observação e comparação dos astros e de fenómenos naturais apuraram toda a ciência, dando origem aos diversos tratados e, curiosamente, a uma frase correndo nos meios intelectuais europeus, ou seja no mundo, exigindo que toda e qualquer coisa fosse provada à maneira portuguesa, isto é que se fizesse como faziam os portugueses, se provasse sem sombra de dúvida o que era afirmado.




Como a experiência era a madre das coisas, e foi essa experimentação que induziu ao aparecimento do método científico nas ciências, segundo Duarte Pacheco Pereira iam os navegadores testando as teorias criadas e anotando as variações e especificidades verificadas. Este período em que as trevas deram lugar à luz e a ignorância lugar ao saber despertou como iluminismo ou Século das Luzes, e procurou fazer valer o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o conhecimento escolástico herdado da tradição medieval. 


O iluminismo floresceu até cerca de 1790-1800. Não por acaso foi a época de Jean-Jacques Rousseau 1712-1778, o tal do Contrato Social, que, parecendo que não tem muito a ver com os ciganos e o RSI aqui abordados.

E chegamos ao Entroncamento sendo tempo de nos lembrarmos dos ciganos, pois em relação a eles haverá muito a dizer inda que eu vos diga somente duas cousas, a primeira é que se há gente pouco enganada ao longo da vida têm sido eles, há muitos anos voltados para a contemplação, coisa que os nossos filósofos, políticos e governantes nos prometem há séculos e da qual estamos cada vez mais longe. Nacionalismo, patriotismo, são para muitos de nós e em especial para os ciganos as tretas com que nos dão a volta ao miolo, daí eles serem apátridas, e nada disso me admira porque, uma pátria como a minha que me suga até ao tutano em benefício de bem poucos, pouco ou nada nos dando, e que pudendo sacudiria das costas não é pátria que se ame. 


Segunda asserção, a última aldrabice que nos está sendo vendida é a da robotização, pois ouvi de um cigano que não, não haverá mais fartura para todos, nem mais descanso ou mais felicidade para todos, ou mais tempo para a contemplação ou para viajar, haverá sim mais desemprego, mais fome e mais infelicidade para todos, e ninguém terá dinheiro para comprar um simples bilhete de autocarro quanto mais de avião, porém estará garantida muito mais riqueza para quem já seja rico. 


Quanto a eles ciganos, já contemplam e hão-de continuar comtemplando a nossa alienada sociedade, fugindo em especial do materialismo que nos subjuga, em troca duma liberdade que pagam cara mas que não se importam de pagar. Contudo digamos em sua defesa que nunca roubaram ou sequer mandaram abaixo um banco, para bom entendedor meia palavra bastará, estou convencido disso. 




          E pronto, chegámos ao fim e batemos com o nariz no RSI, que é, recordai a cruzada dos Mendigos à frente de quem se encontrava o monge Pedro, o Eremita, que a todos arrastava graças a pregações comoventes e promessas de infindas riquezas e recursos financeiros, tendo espalhado o terror por toda a Europa e feito milhares e milhares de vítimas mortais, em especial entre os ricos cuja riqueza e bem-estar os pobres e famintos cobiçavam. 


Pois bem meu artolas, falo directamente para ti que pagas o RSI com os teus impostos, o RSI, o Subsídio de Desemprego e tantos outros para que possas viver ou vegetar, produzir, pagar impostos, passear, gozar a vida, ter carrinho, e barco, e mota, e bicicleta e papagaio, mas ter sobretudo uma vida minimamente aceitável, minimamente segura, que valha minimamente ser vivida, numa sociedade minimamente civilizada, organizada e solidária. 


Uma sociedade assim não o seria sem a criação destes mecanismos sociais. Olha só quantos séculos passaram, quanta violência, quantas privações, quantos mortos, quanta falta de solidariedade, quanto martírio e quantos mártires, mas se me perguntares porque demorámos tanto tempo a saber a aprender isto responder-te-ei, porque nunca quisemos falar com ciganos, eles sabem isto tudo há bué da time, há milénios…